Há dez dias, Isabella Villela precisou voltar à mesma unidade de saúde em que, três meses antes, lutara contra a morte após contrair a gripe H1N1.
Mas se em meados de abril a psicóloga de 30 anos “nasceu de novo” no CTI, no último dia 6 quem saiu do Hospital e Maternidade Santa Lúcia, no Rio, foi a “mamãe do Heitor”.
Com 3,9 quilos e 47 centímetros, o bebê veio ao mundo saudável e mama sem parar.
“Quando penso em tudo o que aconteceu, sinto-me abençoada por ter conseguido sobreviver e conquistar o privilégio de ser mãe”, diz uma emocionada Isabella, que teve a vida salva ao ser submetida a uma técnica em que equipamentos executam as funções de pulmões e coração do paciente.
Como a BBC Brasil mostrou em 13 de maio, aquela foi a primeira vez na América do Sul que a chamada Oxigenação por Membrana Extracorpórea (ECMO, na sigla em inglês) conseguiu evitar a interrupção da gravidez numa paciente com insuficiência respiratória aguda.
Grávidas são quatro vezes mais suscetíveis do que a população em geral a terem complicações severas decorrentes do vírus causador da gripe H1N1, segundo especialistas.
Isabella, por exemplo, permaneceu no hospital da Zona Sul da cidade por três semanas – uma delas em coma induzido, submetida à ECMO.
“Heitor nasceu com pouco mais de 39 semanas, na hora certa. Mãe e filho ficaram internados somente dois dias, o tempo protocolar para cesarianas. Apesar da nossa preocupação com toda a medicação que ela precisou usar no CTI meses antes, foi como se nada tivesse acontecido”, conta a obstetra Karla Rodrigues, médica de Isabella desde antes da gravidez.
A única mudança de planos foi a opção pela cesárea.
“Eu queria parto normal, mas depois da internação achei que meu corpo já tinha dado a sua cota e que meus pulmões poderiam não aguentar”, pontua Isabella, sorridente ao lado do marido, o professor de educação física Diego, de 30 anos.
Mais mortes
Desde 2009 – quando o vírus H1N1 surgiu e se espalhou pelo mundo, ainda sem uma vacina -, o Brasil não registrava um número tão alto de mortos pela gripe como este ano. De 1 de janeiro até 25 de junho de 2016, segundo o Ministério da Saúde, houve 1.341 óbitos no país por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) causada por influenza H1N1 – a SRAG é uma complicação da gripe.
Nos 12 meses de 2009, foram 2.060. No ano passado inteiro, o país registrou apenas 36 mortes por H1N1. Em 2014, foram 163 óbitos pelo vírus e em 2013, 768.
Uma das explicações dos cientistas para a explosão de casos este ano é a de que o vírus chegou antes do previsto ao país, no final de março, atingindo uma população que ainda não tinha tomado a vacina, disponibilizada nos postos de saúde a partir de 30 de abril.
Os especialistas discutem várias hipóteses que poderiam explicar essa antecipação: desde fatores climáticos até o aumento de viagens internacionais, que podem ter trazido para cá o H1N1 circulante no inverno do Hemisfério Norte.
Ao todo, foram notificados, de janeiro a 25 de junho, 7.441 casos da gripe. Em 2015, haviam sido 141 registros; em 2014, 465; e, em 2013, 3.733.
Riscos
Ao receber alta do CTI do Hospital Santa Lúcia, no início de maio, Isabella foi encaminhada para um pneumologista. “Era necessário checar se ela precisaria de algum tratamento específico. Mas o especialista a liberou: não houve sequela”, afirma a obstetra Karla.
Na ECMO, há riscos de sangramentos e de aparecimento de lesões na membrana dos pulmões, induzidas pela quantidade grande de oxigênio fornecida ao paciente. Isabella foi entubada para respirar e teve puncionadas duas veias grossas, no pescoço e numa perna, para fazer o sangue circular pela máquina e voltar 100% oxigenado ao corpo.
“Esses coração e pulmão ‘auxiliares’ permitem que o organismo funcione num ritmo mais lento e ganhe força para receber os medicamentos e lutar contra a infecção”, explica a médica intensivista Celina Acra, coordenadora do CTI de adultos do hospital.
Isabella tinha ido parar no hospital, em meados de abril, com tosse, extrema dificuldade de respirar e febre. Como a vacina ainda não estava disponível, a psicóloga não estava imunizada.
“Reforço o alerta às grávidas: caso tenham sintomas, mesmo que leves, não tentem se automedicar. Procurem um hospital para não perderem seus bebês. Quando olho para o Heitor e lembro do que aconteceu, fico ainda mais emocionada, porque eu poderia não estar aqui hoje para cuidar dele”, observa.
Com a campanha de vacinação encerrada, quem não se imunizou ainda pode procurar as doses em clínicas privadas. O preço varia entre R$ 100 e R$ 150.
A higienização constante das mãos, com água e sabão ou álcool em gel, também é uma medida preventiva.
Segundo estudos analisados por médicos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, as complicações mais frequentes do H1N1 em gestantes são pneumonia, que causa a maioria das mortes, além de insuficiência renal aguda e edema ou embolia pulmonar.
Em relação aos bebês, os problemas que mais surgem são aborto, sofrimento fetal agudo e nascimento prematuro.
Fonte: G1 Globo