Foi publicado em fevereiro de 2020 no periódico Pediatric Rheumatology o consenso de especialistas para diagnóstico e tratamento de osteoporose secundária em crianças.
Osteoporose secundária
Esta condição é classicamente definida como:
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- Presença de uma ou mais fratura vertebral na ausência de doença óssea localizada ou trauma de alta intensidade
- Densitometria óssea com Z-score ≤ -2 (ajustado para altura no caso de < percentil 3) e história de fratura clinicamente relevante, como:
- Duas ou mais fraturas de ossos longos até a idade de 10 anos
- Três ou mais fraturas de ossos longos até a idade de 19 anos
É importante lembrar que uma densitometria ≥ -2 não descarta a possibilidade da criança apresentar risco aumentado de fratura, especialmente se houver fatores de risco para osteoporose secundária (tabela 1).
Tabela 1: Causas de osteoporose secundária.
Doenças neuromusculares | Paralisia cerebral
Distrofia muscular de Duchenne Síndrome de Rett Miopatias Doenças que levam à imobilismo |
Doenças hematológicas | Leucemias
Hemofilia Talassemia |
Doenças sistêmicas autoimunes | LES juvenil
Dermatomiosite juvenil AIJ sistêmica Esclerose sistêmica |
Doenças pulmonares | Fibrose cística |
Doenças gastrointestinais | Doença celíaca
Doença inflamatória intestinal Hepatopatia crônica Alergia à proteína do leite de vaca |
Doenças renais | Síndrome nefrótica
Doença renal crônica |
Doenças psiquiátricas | Anorexia nervosa |
Doenças infecciosas | HIV
Imunodeficiências |
Doenças endócrinas | Atraso puberal
Hipogonadismo Síndrome de Turner Síndrome de Klinefelter Deficiência de GH Acromegalia Hipertireoidismo Diabetes Hiperprolactinemia Síndrome de Cushing Insuficiência adrenal Hiperparatireoidismo Transtornos no metabolismo da vitamina D |
Erros inatos do metabolismo | Doença do acúmulo de glicogênio
Galactosemia Doença de Gaucher |
Doenças de pele | Epidermólise bolhosa |
Iatrogenia | Glicocorticoides
Ciclosporina Metotrexato Heparina Anticonvulsivantes Radioterapia |
Legenda: LES – Lúpus eritematoso sistêmico/AIJ – artrite idiopática juvenil
Um grupo de experts, composto por seis pediatras e cinco reumatologistas, todos membros da SERPE (Sociedade Espanhola de Reumatologia Pediátrica), foi convocado para discutir diversos temas acerca desse assunto. Foi usado a escala Oxford Centre for Evidence-Based Medicine para a graduação dos níveis de evidência.
Para a recomendação ser incluída, deveria haver um nível de concordância entre os experts acima de 70%. As recomendações resultantes estão expressas na tabela 2.
Tabela 2: Recomendações do painel de experts.
Recomendação | NE | GR | NC | |
Recomendações gerais | ||||
1 | Há necessidade de monitorizar DMO em pacientes com doenças crônicas, especialmente as endócrinas, nutricionais, reumatológicas, renais, metabólicas, hematológicas, neurológicas e gastrointestinais. Não há consenso universal de como ou quando fazer tal monitorização para todas as patologias. Seguir os guidelines existentes para cada patologia é a recomendação mais adequada. | 4 | D | 95% |
2 | Atenção especial deve ser dada aos pacientes com doenças crônicas que recebem tratamentos que contribuem com o desenvolvimento de OP: ex: GCs, quimioterapia, anticonvulsivantes | 2b | B | |
Estilo de vida e hábitos de dieta | ||||
3 | É importante identificar crianças que estão em risco de OP devido ao estilo de vida, imobilidade de longa data, anorexia ou desnutrição | 2a | B | |
4 | Estabelecer dieta e hábitos saudáveis com ingesta adequada de nutrientes, cálcio e vitamina D para a idade | 2a | B | |
5 | Crianças e adolescentes devem evitar uso de tabaco, cafeína e álcool | 2a | B | |
6 | Exercícios de alto impacto e baixa frequência – como correr e pular – devem ser estimulados para crianças e adolescentes saudáveis | 1a | A | |
7 | Esses exercícios também são recomendados para crianças com baixa DMO | 3a | C | |
8 | Estimular a exposição solar nas mãos, braços e face de 6 a 8 minutos por dia no verão (evitar o sol das 10 às 15h) e 30 mins por dia no inverno | 4 | D | 90% |
Exames complementares | ||||
9 | Crianças com doenças crônicas estão em risco aumentado de deficiência de vitamina D. É recomendado, portanto, monitoramento dos seus níveis – especialmente no inverno. | 2a | B | |
10 | Para crianças e adolescentes em risco de OP, recomenda-se os seguintes exames: bioquímica sérica (cálcio total e iônico, fósforo, magnésio, proteínas totais, creatinina, ureia, glicose, 25-hidroxi vitamina D3, PTH, TSH e T4 livre), bioquímica urinária de 24 horas (cálcio, fósforo, creatinina, sódio, absorção tubular de fósforo), relação cálcio/creatinina em amostra urinária única e marcadores de turnover ósseo (fosfatase alcalina | 5 | D | 83% |
11 | O papel de marcadores de turnover ósseo na população pediátrica com fragilidade óssea ainda não é bem estabelecido, mas podem ser úteis no seguimento e na avaliação de resposta ao tratamento. | 5 | D | 80% |
12 | Avaliação de marcadores de turnover ósseo na urina não é recomendada para todos os pacientes devido à dificuldade técnica na coleta | 5 | D | 90% |
13 | Testes complementares específicos (imunoglobulinas, anti-transglutaminase tecidual, cortisol sérico, prolactina, FSH, LH, progesterona, homocisteína ou estudos genéticos) podem ser considerados se houver suspeita clínica de alguma doença subjacente | 5 | D | 90% |
14 | Interpretação dos valores dos testes deve levar em consideração os fatores que podem modifica-los, como idade, sexo, estagio puberal, etnia, hora da coleta, dieta e estação do ano | 2b | B | |
15 | Como a baixa DMO é associada com risco aumentado de fratura, a DXA é o método mais adequado para avaliação óssea. No entanto não é um preditor absoluto do risco de fratura. | 2a | B | |
16 | DXA da coluna lombar + de todo o corpo exceto a cabeça é o método mais adequado para medir a DMO na população pediátrica. | 2a | B | |
17 | A análise de dados deve ser feita usando um software pediátrico (o software para adultos superestima a DMO). | 2b | B | |
18 | Avaliação da densitometria da coluna lombar é recomendado para crianças menores que 5 anos por ser mais reprodutível e menor tempo de duração do exame. | 2a | B | |
19 | Em crianças menores que 3 anos o uso da DXA não é recomendado pela baixa reprodutibilidade. Nesses casos usar o conteúdo mineral ósseo. | 3a | C | |
20 | Em crianças com baixa estatura (<p3) ou com redução do crescimento recomenda-se o ajuste do resultado via um Z-score corrigido por altura. | 2a | B | |
21 | Para crianças com contraturas articulares ou problemas de motilidade (ex: paralisia cerebral) a avaliação densitométrica do fêmur distal pode ser uma alternativa. | 2a | B | |
22 | Para crianças com suspeita de OP secundária, recomenda-se a investigação de fratura vertebral da coluna lombar e torácica via RX em perfil, especialmente nos pacientes em uso de GCs. | 2b | B | |
23 | Se a baixa massa óssea ou o fator de risco persistirem, realizar os RX de coluna lombar e torácica novamente após 1 ano. | 3b | C | |
24 | O intervalo recomendado para repetição da DXA geralmente é de um ano, sendo o intervalo mínimo de seis meses. | 3b | C | |
25 | DXA em seis meses pode ser usada para avaliar resposta ao tratamento em pacientes em uso de GC em altas doses, quimioterapia ou desnutrição. | 3b | C | |
26 | Em crianças com fator de risco para OP secundária mas com DXA normal, a repetição do exame deve ser individualizado de acordo com o fator de risco. Em geral, o intervalo de 1 – 2 anos é recomendado até o paciente atingir o pico da massa óssea. | 5 | D | 95% |
Prevenção | ||||
27 | Suplementação de cálcio pode melhorar a DMO de crianças com ingesta pobre em cálcio. No entanto, o aumento da ingesta de cálcio na dieta é preferível à suplementação. | 5 | D | 90% |
28 | Em crianças com doenças crônicas, o tratamento adequado da doença de base é o passo mais importante na prevenção e tratamento de OP | 2b | B | |
Tratamento | ||||
29 | Suplementação de vitamina D deve ser oferecida para todos os pacientes com doença crônica e nível sérico < 20 ng/mL e para aqueles com níveis entre 20-30 ng/mL e Z-score ≤-2 ou qualquer outro dado que indique fragilidade óssea. | 4 | D | 90% |
30 | É recomendado suplementação de cálcio (na dieta ou via suplemento oral) e vitamina D (manter nível sérico >30 ng/mL) para crianças e adolescentes com baixa massa óssea ou osteoporose. | 2b | B-C | |
31 | Em pacientes com doenças que cursam com má absorção intestinal, não se sabe a dose ideal de suplementação de cálcio e vitamina D. Nesses casos é recomendado a suplementação conforme a idade e monitorizar níveis de 25-hidroxi vitamina D3, iPTH e calciúria a cada 6 a 12 meses. | 5 | D | 90% |
32 | Tratamento com bisfosfonados deve ser oferecido para crianças com osteoporose (Z-score ≤-2 + fratura patológica OU fratura vertebral independente de Z-score) | 1b | A | |
33 | Tratamento com bisfosfonados pode ser considerado em pacientes com baixa massa óssea mas sem osteoporose nas seguintes situações:
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5 | D | 78% |
34 | Bisfosfonados EV devem ser usados quando houver fratura vertebral, contraindicação à bisfosfonado VO ou quando for preferência do paciente. | 3a | B-C | |
35 | Bisfosfonados VO podem ser usados quando não houver fratura vertebral, na ausência de contraindicações e na fase de desescalonamento do tratamento. | 5 | D | 70% |
36 | O bisfosfonado deve ser suspenso ou desmamado nos pacientes que não apresentaram fratura no último ano e que atingiram um Z-score maior que -2. | 5 | D | 90% |
Seguimento | ||||
37 | O seguimento é recomendado nos pacientes em risco para osteoporose nos quais o fator de risco persiste e foi instituído algum tratamento (cálcio, vitamina D, bisfosfonado ou outros). | 4 | D | 95% |
38 | Cálcio, fósforo, fosfatase alcalina, iPTH e 25-hidroxi vitamina D3 devem ser dosados anualmente. | 4 | D | 90% |
39 | Durante o tratamento com vitamina D, os níveis séricos devem ser monitorizados a cada 6-12 meses. Se houver mudança na dose, monitorizar em 3-6 meses. | 5 | D | 88% |
40 | Em pacientes que suplementam cálcio e/ou vitamina D, é recomendado a monitorização da relação cálcio/creatinina urinária ao menos uma vez por ano. Se houver aumento na calciúria ou se não for possível a sua monitorização, investigar nefrocalcinose com USG renal. | 5 | D | 83% |
41 | É recomendado repetir a DXA 1 ano após a primeira, e então a cada 1-2 anos dependendo da tendência observada. O intervalo mínimo é de 6-12 meses. | 4 | D | 93% |
42 | A investigação de fratura vertebral com RX de coluna em perfil é recomendada a cada 6 meses a 2 anos (média recomendada: 1 ano), de acordo com a magnitude do fator de risco e a funcionalidade da criança. | 5 | D | 73% |
43 | Na população pediátrica com mobilidade reduzida por paralisia cerebral ou miopatias, o RX de coluna é recomendado aos 6-8 anos (ou antes em caso de dor na coluna), e então periodicamente até o fim do crescimento. | 5 | D | 88% |
44 | Checar parâmetros laboratoriais antes da aplicação de bisfosfonados EV. No caso de bisfosfonados orais, recomenda-se checar a cada 6 meses. | 5 | D | 83% |
45 | Recomenda-se DXA anual durante o tratamento com bisfosfonados. | 5 | D | 85% |
Osteoporose induzida por corticosteroides | ||||
46 | É recomendado RX de coluna em perfil para avaliar fratura vertebral no começo do tratamento com GCs e após um ano. | 2a | B | |
47 | Realizar DXA de coluna lombar ou corpo todo exceto cabeça nos primeiros 6 meses do tratamento com GCs e então a cada 9-12 meses enquanto o paciente estiver em uso de GCs. | 4 | D | 85% |
48 | Recomenda-se suplementar cálcio (500-1000 mg/dia) e vitamina D (400 UI/dia) para pacientes que vão utilizar GCs por 3 meses ou mais. | 2b | B | |
49 | Tratamento com cálcio e vitamina D deve ser mantido por 3 meses após a suspensão dos GCs. | 5 | D | 88% |
50 | Crianças e adolescentes em uso crônico de GCs, Z-score ≤-2 e fraturas patológicas devem receber bisfosfonados, cálcio e vitamina D. | 1b | A | |
51 | RX de coluna e DXA não são recomendados em crianças em uso de corticoide inalatório em dosagem menor que 800 mcg/dia, a não ser que tenham outros fatores de risco. | 1b | A |
Legenda: NE – nível de evidência; GR – grau de recomendação; NC – nível de concordância; DMO – densidade mineral óssea; OP – osteoporose; GC – glicocorticoides; DXA – absorciometria por dupla emissão de raio x (densitometria óssea).
Mensagem prática
Esse artigo nos dá uma ferramenta útil para guiar o diagnóstico e tratamento de crianças e adolescentes em risco para osteoporose. As medidas profiláticas, diagnóstico precoce e tratamento adequado são essenciais para a melhora da saúde óssea da população pediátrica.
Autora:
Referência bibliográfica:
- Galindo-Zavala, R., Bou-Torrent, R., Magallares-López, B. et al. Expert panel consensus recommendations for diagnosis and treatment of secondary osteoporosis in children. Pediatr Rheumatol 18, 20 (2020).
Fonte: Pebmed.