Inicialmente conhecido como PL das Cobaias Humanas, o projeto de lei 6007, que propõe regulamentar a pesquisa clínica com seres humanos no Brasil, após tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, aguarda sanção presidencial. Motivado por uma necessidade de segurança jurídica para que o país atraísse mais patrocinadores para pesquisas clínicas, o PL chamou atenção por propor redução de direitos e enfraquecer valores éticos para a pesquisa com humanos no país.
O PL 6007 é fruto do PL200, que iniciou as discussões no Senado, em 2015. De lá para cá, o PL200 foi encaminhado à Câmara dos Deputados, onde tramitou como PL 7082, sofrendo várias mudanças no seu texto original. Enfim de volta ao senado, o PL 6007 chegou a colocar em risco direitos importantes e hoje garantidos aos participantes incluídos em estudos clínicos.
Durante todo o processo, entidades como o Conselho Nacional de Saúde (CNS) e a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) manifestaram por meio de um documento público os principais riscos que podem afetar negativamente a vida dos participantes e a sociedade brasileira como um todo.
“Sobre o PL6007, obtivemos sucesso, visando a segurança e a garantia de direitos dos participantes de pesquisas em três, de quatro principais riscos que havíamos identificado no texto que foi aprovado na Câmara dos Deputados”, conta Laís Bonilha, coordenadora da Conep. Vamos entender cada ponto.
O que muda com a aprovação do PL6007?
- Sistema CEP/Conep mantido
No país, as pesquisas clínicas com seres humanos passam por regulamentação e acompanhamento da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), criada em 1996. Este sistema, que inclui cerca de 900 Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) com mais de 16 mil trabalhadores voluntários, tem como principal atividade avaliar os aspectos éticos das pesquisas que envolvem seres humanos, garantindo e zelando pelos direitos dos participantes.
Inicialmente, o PL 6007 não incluía o sistema CEP/Conep, e propunha que os Comitês de Ética em Pesquisa fossem independentes. “Com a proposta do PL, os CEPs não fariam mais parte do sistema integrado da Conep que faz a apuração. Com isso, ficaram totalmente expostos ao assédio das indústrias e pesquisadores”, destaca Ana Lúcia Paduello, conselheira nacional de saúde e coordenadora da Conep. Contudo, o relator do PL no Senado acatou os argumentos do controle social e manteve o sistema CEP/Conep.
- Uso de placebo em participantes foi vetado
Outro ponto que também preocupou pesquisadores e o controle social foi em relação ao uso de placebo. Por meio das regulamentações da Conep, atualmente, os participantes de pesquisa têm o direito assegurado de que, caso exista uma medicação eficaz e segura, ele deve recebê-la como um comparador, durante o desenvolvimento de um novo produto, garantindo assim que nenhum participante fique sem tratamento durante a pesquisa.
Contudo, o PL6007 colocava em risco a saúde do paciente por determinado período de tempo, ao deixá-lo sem tratamento para acelerar e reduzir os custos da pesquisa: “O PL propunha o uso de placebo, porque para a pesquisa é melhor, conseguem resultados mais rápidos e com menor investimento. Mas isso está em risco de detrimento da saúde das pessoas, que não é considerado ético “, destaca Laís.
Não é considerado ético que uma pessoa doente permaneça temporariamente sem tratamento, recebendo placebo, e se arriscando, para que a pesquisa seja mais rápida e mais econômica. “Felizmente essa possibilidade foi retirada da lei, após argumentação e debates em eventos científicos, sobre os prejuízos para o povo brasileiro”, pontua a coordenadora da Conep.
- Retirada do Documento de Compromisso e Isenção (DCI)
O PL propunha o Documento de Compromisso e Isenção (DCI) que permitia que uma instituição pública brasileira assumisse a responsabilidade financeira de pesquisas realizadas em parceria com instituições estrangeiras. Com isso, colocava em maior risco os participantes de pesquisa no Brasil, de não terem garantidos seus direitos, como ressarcimentos, assistência integral à saúde, em caso de lesões, e indenizações. O DCI permitiria o repasse para o contribuinte brasileiro do possível ônus de uma pesquisa. Felizmente, o relator do PL6007 no Senado removeu o DCI do texto final.
- Direito ao acesso pós-estudo: paciente não receberá medicamento que ajudou a desenvolver
Um dos principais pontos levantados pelo controle social que não foi atendido foi o direito que o participante de pesquisas tem hoje garantido no Brasil, pelo princípio ético de justiça, de receber o medicamento que ajudou a desenvolver, pelo tempo que lhe for benéfico.
O PL6007 impõe várias restrições sobre o acesso pós estudo, inclusive atribui a tomada de decisão quanto ao direito de receber e o benefício do participante ao médico pesquisador, em explícito conflito de interesses, o que não é considerado ético. “Nesse quesito não obtivemos sucesso, e o texto foi aprovado com esse prejuízo aos participantes de pesquisas”, lamenta Laís.
E agora?
Após aprovação final em 2023 no plenário da Câmara, o PL retornou à casa de origem, no Senado, como PL 6007 para votação em abril de 2024. O Senado acolheu algumas das sugestões de melhoria propostas pelo controle social. Agora, o PL segue para sanção presidencial. O presidente terá 15 dias para decidir se sanciona o projeto na íntegra ou com vetos.