Estudo inédito realizado em hospital universitário da cidade de Saint-Étienne, no sudoeste da França, mostrou que o comportamento de médicos e enfermeiros têm influência direta na percepção dolorosa.
Não é novidade que as reações do outro diante da nossa dor ou sofrimento podem intensificar ou aliviar essa sensação. O que era apenas uma hipótese acaba de ser comprovado pela equipe do cientista Camille Fauchon, que coordena a equipe do laboratório NeuroPain, em Lyon, do Inserm (Instituto de Pesquisas Médicas da França). Os resultados mostram uma real influência da empatia no alívio da dor: 12% dos participantes do estudo declararam uma diminuição da percepção dolorosa em função do comportamento de médicos e enfermeiros.
Os dados, apresentados depois de três anos e meio de experiência, foram publicados em julho na revista Scientific Reports. A ideia do projeto foi do neurologista Roland Peyron, do hospital universitário de Saint Etienne, diretor de tese do pesquisador francês. Para chegar a essas conclusões, a equipe do neurocientista recrutou um grupo de cerca de cem voluntários saudáveis, através de questionários. A seleção teve três fases – desenvolvimento da experiência, testes comportamentais e a análise dos exames cerebrais de IRMTf (ressonância magnética funcional). A técnica permite detalhar quais áreas do cérebro são ativadas durante uma atividade intelectual ou a vivência de uma emoção ou sensação, por exemplo.
No estudo, os participantes receberam diferentes estímulos dolorosos, com a ajuda de um aparelho, durante uma hora. Eles então avaliaram a intensidade da dor em uma escala de 0 a 10. “O que fizemos nos bastidores foi mudar o contexto da experiência, transmitindo comentários empáticos ou não-empáticos”, explica Fauchon. Todos os voluntários eram saudáveis.
Para testar a ação da empatia na sensação dolorosa, a equipe criou um roteiro e testou, sem que os voluntários estivessem cientes, as frases consideradas empáticas ou não. O texto foi escriti por duas neuropsicólogas, Anne-Marie Perrin e Céline Borg. Atores foram contratados para encarnar médicos e enfermeiros que as interpretaram e interagiram com os participantes.
A primeira hipótese dos pesquisadores, explica Fauchon, era de que a empatia diminuiria a percepção dolorosa. Já a segunda hipótese, formulada pelos pesquisadores franceses, considerava que a indiferença poderia, ao contrário, aumentá-la.
“Nossa primeira constatação foi que a empatia permitia diminuir em 12% a percepção dolorosa das pessoas. Mas a ausência dela, em geral, na média, não provocava nenhum efeito nos voluntários e não mudava a sensação. Esta foi a primeira surpresa”, diz.
Os pesquisadores esperavam, por outro lado, que os comentários negativos aumentassem a dor, o que não foi o caso. Depois de validar as hipóteses, os cientistas utilizaram a ressonância magnética funcional para entender a atividade cerebral no processo. O objetivo, diz Fauchon, foi validar os resultados com outros voluntários.
Eles também analisaram as mudanças no cérebro quando havia a dor e, ao mesmo tempo, comentários empáticos dos atores que encarnavam médicos e enfermeiros. “Recuperamos uma imagem em 3D do cérebro, como um filme, que registra a atividade cerebral. Depois tratamos esses sinais e os isolamos, comparando as mudanças da atividade cerebral e a reação, por exemplo, a uma frase empática ou a uma neutra”, detalha o pesquisador francês.
Desta forma, foi possível para o pesquisador francês analisar quais áreas eram mais ou menos ativadas no cérebro. Os pesquisadores queriam descobrir qual região do órgão processava os comentários empáticos, os integrava, além do impacto provocado na percepção dolorosa. A equipe identificou sinais ativados em regiões no córtex que atuam na integração de todos os elementos importantes do contexto social no parietal e outras responsáveis pela recepção dos estímulos periféricos.
Na prática
Segundo o pesquisador, médicos e enfermeiros estão conscientes de que seu comportamento, gestos e palavras terão um impacto na dor do paciente. “Eles estão totalmente conscientes disso. Testamos essas hipóteses em pessoas saudáveis. Não sabemos muito bem o efeito que isso pode ter nos pacientes. Seria necessário repetir o teste neles”, afirma.
De acordo com Fauchon, estudos sobre a temática foram feitos e mostraram um impacto positivo em pessoas hospitalizadas e que sofrem de alguma patologia. Também caberia às faculdades de Medicina incluir a questão nas aulas, sensibilizando desde cedo médicos para a importância da empatia no tratamento da dor.
Outro aspecto que deve ser levado em conta, observa o pesquisador, é reação à empatia, que pode ser individual. Para a maioria das pessoas ela é benéfica, mas outras, declara o cientista francês, podem preferir a neutralidade. Outros fatores ainda podem influenciar a percepção dolorosa: ansiedade, depressão e a relação já existente com os médicos, por exemplo, que vão influenciar a interpretação dos comentários positivos ou negativos e, consequentemente, a dor.
“É algo específico a cada um. A grande maioria das pessoas espera empatia quando há dor. Esperamos que os outros reajam e tenham um comportamento altruísta quando estamos sofrendo. Mas não é o caso de todo mundo e é certamente diferente para pessoas que têm doenças crônicas.”
Este é justamente o objeto atual da pesquisa do neurocientista Camille Fauchon, da universidade Health Network, em Toronto no Canada. Em qualquer um dos casos entretanto, uma coisa é certa: seja em dores agudas ou crônicas, o reconhecimento puro e simples da dor do outro já é uma primeira etapa e ajuda no estabelecimento de uma comunicação.
Fonte: RFI As vozes do mundo