A pandemia de Covid-19 trouxe inúmeros desafios para os profissionais da área da Saúde e, com eles, mudanças permanentes no relacionamento médico-paciente. Talvez ainda seja muito cedo para fazer uma lista exaustiva das mudanças que aconteceram, mas aos poucos é possível enxergar algumas delas e mensurar o real impacto da pandemia no dia a dia da assistência médica.
Alguns fenômenos no comportamento dos pacientes foram percebidos por especialistas durante a pandemia, como o medo de ir às consultas e de se contaminar e a preocupação com a adoção de medidas protetivas contra a doença nas clínicas e consultórios. Mas, agora, com o relaxamento do uso de máscaras e das medidas de proteção, como pacientes e médicos têm se comportado?
Para entender esse cenário, ouvimos três profissionais que têm vivenciado as mudanças na Saúde de perto: o psiquiatra Fábio Martins, terapeuta cognitivo-comportamental pelo Instituto Beck; o reumatologista Breno Pereira, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás; e, representando os pacientes, a jornalista Priscila Torres, autora do blog Artrite reumatoide.
Psiquiatria e Covid-19
Durante a pandemia, uma das especialidades que recebeu mais atenção foi a Psiquiatria. Para Fábio Martins, uma das maiores mudanças percebidas foi o crescimento da procura por atendimento. “A demanda aumentou tanto que tive que limitar a quantidade de casos novos para conseguir dar um bom seguimento aos meus pacientes e também preservar a minha saúde emocional”, revela. Ele destaca, ainda, que os casos de burnout em profissionais de Saúde foi muito preocupante.
Martins também conta que, o que mais chamou sua atenção nesse momento, foram os pacientes com consequências em longo prazo após a versão aguda de Covid-19. Uma pesquisa recente da Fiocruz apontou que metade das pessoas diagnosticadas com a doença apresenta sequelas que podem perdurar por mais de um ano, o que impacta diretamente em sua qualidade de vida.
O psiquiatra ressalta que ainda há muita falta de conhecimento e também de acolhimento por parte dos profissionais de Saúde para esses pacientes. “O diagnóstico de Covid não ajuda muito se não vier acompanhado de uma disponibilidade de acompanhamento em longo prazo, no verdadeiro sentido da clínica na Medicina: de estar ao lado, confortar, normalizar sintomas e de se atualizar”, destaca.
Com uma visão pouco positiva, Martins acredita que a pandemia deixará muitas marcas. Segundo ele, em outras pandemias, como a de 2003 no Sudeste Asiático, já se percebia a quantidade de casos de estresse pós-traumático, de negação à vacinação, de disseminação de informação falsa e de teorias da conspiração. “O impacto, infelizmente, pode se estender muito além do adoecimento mental duradouro, que é um dado cientificamente estabelecido”, afirma. Ele aproveita para indicar dois livros sobre o assunto: The psychiatry of the pandemics e The psychology of pandemics, para os médicos que se interessarem em saber mais.
Doenças crônicas e Covid-19
Assim como no caso da Psiquiatria, o medo dos pacientes de comparecer aos atendimentos e se contaminarem esteve muito presente entre os pacientes reumatológicos. “Tivemos que fazer campanhas utilizando as mídias sociais, informando sobre a segurança do ambiente, que atendíamos com portas e janelas abertas, com fluxo de ar contínuo entre nós, mantendo distanciamento, com álcool em gel, com máscaras. Enfim, com todas as medidas preventivas”, conta Breno Pereira.
Para o especialista, entretanto, o maior prejuízo da pandemia foi a interrupção dos tratamentos de pacientes com condições crônicas. “Havia pacientes com datas programadas para tratamentos – por exemplo, pulsoterapia endovenosa para pacientes com lúpus a intervalos periódicos e regulares – que deixaram de acontecer. Tivemos que recomeçar todo o tratamento e absorver o prejuízo que isso causou à saúde”, destaca o reumatologista.
De acordo com Pereira, hoje, felizmente, os pacientes já começam a voltar ao atendimento presencial, como reflexo de como se comportam na sociedade. “Eles começaram a sair, a ir a bares, a não usar máscaras, a fazer mais aglomerações. Da mesma forma, começaram a retornar ao consultório e a ter mais acesso ao atendimento. Entretanto, essas posturas fizeram com que a incidência das doenças voltasse a aumentar paulatinamente”, analisa. Nesse retorno aos consultórios, o médico acredita que os profissionais vivem um dilema: a volta dos pacientes aos seus tratamentos, mas também a preocupação com o risco de contaminação que isso pode representar.
O lado dos pacientes
Priscila Torres, paciente reumatológica desde os 26 anos e criadora do GrupAr/EncontrAR – uma comunidade virtual que se propõe a aproximar e auxiliar pacientes com doenças reumatológicas desde 2008 – compartilha sobre a experiência da pandemia na visão dos pacientes. Ela conta que, além dos prejuízos à saúde mental e física que o isolamento trouxe, houve o fechamento dos ambulatórios e a falta de medicamentos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS). “Até hoje, isso tem acontecido. Somente no mês de maio recebemos mais de 3 mil relatos de pacientes reportando falta de medicamentos”, ressalta.
O aumento da procura por reumatologistas pelas pessoas com sintomas de pós-Covid é outro obstáculo, de acordo com Priscila. “Na medida em que a especialidade já estava sobrecarregada, há certa dificuldade de realocar todos os pacientes que tiveram consultas canceladas”, explica.
Além das dificuldades de acesso resultadas da sobrecarga no SUS, Priscila também não deixa de citar que a desinformação foi um dos maiores problemas que a pandemia trouxe à saúde dos pacientes. “No primeiro pico da pandemia, aproximadamente 35% da nossa audiência e dos pacientes membros da associação deixaram de tomar seus medicamentos por medo de pegar o coronavírus. Também tiveram muita resistência na retomada do seu tratamento”, lamenta.
Por serem um grupo de risco, a possibilidade de contaminação por Covid-19 é muito preocupante para os pacientes com doenças crônicas. Por isso, Priscila conta que, em seus canais nas redes sociais, sua comunidade investiu na divulgação de informação científica referenciada. “Fizemos diversas lives durante toda a pandemia, trazendo a informação de que se você é paciente reumático, é muito importante que continue seu tratamento e que, se pegar o coronavírus, deve procurar o seu reumatologista, para que tenha a devida orientação”, conta.
Atuação dos médicos
Garantir que os pacientes estejam informados para que continuem seus tratamentos e que abracem as campanhas de vacinação é uma das maiores agendas do mundo pós-Covid. Ações como as da comunidade Grupar/EncontrAR e a atuação dos médicos presencial e virtualmente foram – e ainda são – fundamentais para a divulgação de informação confiável aos pacientes. “De repente, todo mundo ficou em casa trancado, com medo. E a quem esses pacientes recorreram? Às redes sociais”, avalia Priscila.
Ela complementa: “Nesse momento, se levantou uma nação de médicos ‘internautas’. Eles prestaram um serviço de utilidade pública muito grande. Esperamos muito que eles continuem se dedicando e mantendo as redes sociais ativas, porque a maior forma de combater as fake news é com informação de qualidade, referenciada pelo especialista e com muita responsabilidade social”.
Fonte: Assessoria de Imprensa