“Muitas vezes a gente não consegue nem sair da cama”. É assim que Adriana Conceição Predebon (55)descreve a rotina de quem vive com fibromialgia. Doença crônica ainda pouco compreendida, a condição transforma a vida dos pacientes em uma batalha diária contra a dor.
A trajetória da lajeadense com a doença começou de forma silenciosa. Em 2006, ela sobreviveu a uma dissecção da aorta, uma condição grave que a levou a uma cirurgia de emergência em Porto Alegre. O episódio acabou servindo de gatilho para uma série de novos problemas de saúde, entre eles, a fibromialgia.
“Em 2011, acordei de manhã com o corpo inteiro doendo. Uma dor insuportável”, lembra. Aquele, segundo Adriana, foi o começo de uma busca por respostas. Encaminhada ao reumatologista, foi diagnosticada. A partir de então, a rotina mudou em diferentes aspectos, incluindo o sono e o cuidado com a saúde mental.
“A gente toma antidepressivos, relaxante muscular, tudo para tentar aliviar. Mas tem dias que nada resolve. A dor é no corpo todo, e também na cabeça.”
Adriana relata também o impacto da doença no mercado de trabalho e na vida social. “É difícil manter um emprego. A gente precisa sair para consultas frequentes, e tem dias que não consegue levantar. Não é falta de vontade, é a dor e o cansaço que vencem.”
Por viver com a condição, Adriana também busca auxiliar outros pacientes e participou da articulação para a criação de uma lei municipal, em Lajeado, que reconhece a fibromialgia como uma síndrome que dá direito a benefícios como vaga de estacionamento preferencial e atendimento prioritário em filas. “Foi uma conquista. Agora a gente tem uma carteirinha para essas situações. E estão tentando aprovar uma lei federal também”, conta.
O problema.
“Sentir dor o tempo todo não é normal, mesmo que digam que é coisa da sua cabeça”, ressalta a fisioterapeuta Bárbara Moreira. A especialista, que estuda dor crônica, relata perceber no consultório pacientes cada vez mais jovens com sintomas da síndrome, incluindo crianças.
“A fibromialgia é considerada uma dor crônica primária. Não é consequência de outra doença: ela é a doença”, explica Bárbara. Ao contrário da dor comum, que atua como um sinal de alerta do organismo, a dor da fibromialgia se torna o próprio problema. “É como se o sistema nervoso central começasse a funcionar de forma desregulada, mantendo a dor ativada mesmo sem uma causa visível.”
Bárbara também destaca que muitas mulheres diagnosticadas na fase adulta relatam já sentir dores desde a infância ou adolescência, muitas vezes ignoradas por familiares e profissionais de saúde. “Elas ouvem que é frescura ou dor de crescimento. Mas a verdade é que essa dor persistente pode ser um primeiro sinal da fibromialgia. Por isso, o diagnóstico precoce é tão importante.”
Em movimento
O exercício físico é um dos pilares no tratamento da fibromialgia, mas é também um dos maiores desafios para os pacientes. “A pessoa tem dor, sente medo de se mexer, e isso gera mais dor. Entramos num ciclo difícil de quebrar.” A recomendação, segundo Bárbara, é começar com exercícios aeróbicos leves e, quando a doença não estiver em fase aguda, incluir atividades de força.
A fibromialgia não tem cura, mas tem tratamento. Para Bárbara, o foco deve ser no funcional: “Talvez a dor não desapareça completamente, mas se a pessoa voltar a dirigir, passear com os filhos, trabalhar e viver com mais autonomia, isso já é um enorme avanço.”
Sinais
A síndrome está em um grupo de mais de 100 condições diferentes que se configuram como doença reumatológica. Médica reumatologista, Jussara Bohn explica que a fibromialgia, uma das doenças mais conhecidas do grupo, é marcada por dor difusa, fadiga e distúrbios do sono. “É um diagnóstico clínico. Não tem exame que comprove, e por isso muitos pacientes sofrem até encontrar o profissional certo”, comenta.
Segundo a especialista, o tratamento, além da atividade física regular, também envolve o sono de qualidade, acolhimento psicológico e, em alguns casos, medicamentos. “A gente cuida muito com o uso de opioides. Eles não são indicados para uso contínuo por risco de dependência”, alerta Jussara.
Entre os medicamentos, alguns estão disponíveis pelo SUS, mediante protocolos específicos. Jussara conta, ainda que nos consultórios, muitas dúvidas giram em torno de dietas milagrosas, exclusão de glúten ou leite, e uso indiscriminado de vitaminas. “Não há comprovação de que tirar farinha ou leite melhore a fibromialgia, por exemplo”, afirma.
O uso de vitamina D e B12 também exige cautela. “As pessoas estão tomando por conta, influenciadas pela internet. Mas não são soluções mágicas. A suplementação deve ser indicada caso haja deficiência comprovada.”
Sintomas
- Dor crônica difusa (musculoesquelética), muitas vezes acompanhada de pontadas, queimação e rigidez
- Fadiga intensa e sensação de esgotamento mesmo após repouso
- Distúrbios do sono: insônia, sono não reparador e cansaço ao acordar
- Cefaleia recorrente ou enxaqueca
- Alterações cognitivas (“fibro-neblina”): dificuldade de concentração e de memória
- Alodinia e hipersensibilidade a estímulos leves (toque, temperatura, barulho)
- Sintomas associados: ansiedade, depressão, irritabilidade e síndrome do intestino irritável
Números
- A fibromialgia afeta de 2% a 4% da população adulta mundial, cerca de 150 milhões de pessoas;
- Afeta de 75% a 90% mulheres, com forte impacto na qualidade de vida;
- No Brasil, atinge cerca de 2% a 3% da população;
- Em estudos de dor crônica, a prevalência no país varia entre 23% e 76%, com média nacional de 45% entre adultos, afetando mais mulheres;
- Entre brasileiros com mais de 50 anos, 36,9% relatam dores crônicas e 30% utilizam opioides para alívio;
- Estima-se que até 75 % dos casos permanecem sem diagnóstico, por ausência de marcador objetivo e estigma médico-social.
Outras doenças
Além da fibromialgia, doenças como artrite reumatoide, osteoartrite (ou artrose), gota, osteoporose e espondilite anquilosante são frequentes na reumatologia.
A artrite reumatoide, por exemplo, é uma doença autoimune que pode causar deformidades nas mãos e em outras articulações se não for tratada de forma precoce. Já a osteoartrite, popularmente chamada de artrose, é o conhecido “desgaste das articulações”. Mais comum em idosos, também pode acometer pessoas mais jovens, especialmente com histórico de sobrepeso ou esforço repetitivo.
Jussara ainda reforça que a dor persistente não pode ser normalizada. “É muito importante que o paciente se sinta acolhido, que receba orientação e não se sinta culpado por não melhorar sozinho”.
Fonte: A Hora.






























