O Conselho Nacional de Saúde vem a público manifestar profunda consternação e repúdio à decisão da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), desta quarta-feira (08/06/2022), que entendeu pela taxatividade em regra dos Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por seis votos a três. O STJ, ao julgar os Embargos de Divergência Nº 1.704.520 e Nº 1.889.704, foi favorável ao entendimento de que o rol definido pela ANS seria o instrumento absoluto que definiria quais procedimentos e serviços seriam de obrigatoriedade às operadoras privadas de planos de saúde fornecer aos beneficiários. Os tribunais inferiores – e o próprio STJ – vinham tomando decisões pela lista como exemplificativa – ou seja, na prática, conforme expressa orientação médica, haveria possibilidade de custeio a tratamento não previsto no rol. Agora, com a nova decisão da Corte Superior, os usuários de planos de saúde dificilmente alcançarão êxito no Poder Judiciário no que diz respeito à cobertura de procedimentos que não estão no rol da ANS. Nesse sentido, também houve imensa perda no acesso à justiça na busca pela garantia do respeito ao direito à saúde.
Na compreensão do CNS a decisão causará imenso prejuízo à saúde de quase 50 milhões de pessoas, podendo culminar na morte de muitas beneficiárias e beneficiários. Já que, a priori, as operadoras de planos de saúde podem se recusar a custear parte dos tratamentos, havendo assim descontinuidade da assistência que poderá levar ao agravamento do quadro de saúde dos pacientes. A mudança do entendimento sobre a natureza exemplificativa do rol de procedimentos pode aumentar ainda mais a negativa de cobertura das operadoras. Tais negativas cresceram no período da pandemia da COVID-19. Segundo estudo realizado pelo Grupo de Estudos sobre Planos de Saúde e Interações Público-Privadas (GEPS/FMUSP), as negativas de cobertura são o principal motivo de judicializações no Tribunal de Justiça de São Paulo, representando 48,2% das demandas[1].
O impacto da decisão STJ também atingirá fortemente o Sistema Único de Saúde (SUS) e seus milhões de usuários dependentes. A exemplo disso, sabemos que durante a pandemia da Covid-19, vários planos de saúde recusaram fornecer procedimentos diagnósticos a seus beneficiários, uma vez que estes não estavam no rol de procedimentos da ANS. Os beneficiários precisaram recorrer ao SUS para não agravar seus quadros de saúde. Tal situação levou o sistema de saúde do país à beira do colapso. A melhoria na situação só foi possível mediante ações judiciais, inclusive com participação do CNS, que firmaram o entendimento da natureza exemplificativa do rol da ANS. Dessa forma, a justiça fez prevalecer o direito constitucional à vida e à saúde, ao invés de privilegiar a lógica de mercado e do lucro das operadoras privadas que, durante a maior crise sanitária mundial, aumentaram seus rendimentos em mais de 50% e em abril tiveram o maior reajuste da história, imputando um acréscimo de 15,5% aos seus usuários.
Chamamos atenção também para a grave situação do ressarcimento das operadoras privadas ao SUS. Segundo a 3ª Edição do Panorama do Ressarcimento ao SUS – 1º trimestre de 2022, 44,36% dos valores a serem ressarcidos ao SUS pelos planos de saúde privados estão pendentes, em parcelamento ou suspensos judicialmente. Somado ao calote dos planos de saúde, o SUS ainda padece do desfinanciamento crônico gerado pela Emenda Constitucional 95/2016. A LDO 2023 agravou ainda mais o financiamento do SUS quando traz um déficit na ordem de 65,9 bilhões de reais em comparação com o ano anterior. Nesse sentido, as negativas, que já estão ocorrendo devido à decisão do STJ[2] sobre o rol taxativo vão aumentar a demanda ao SUS de forma desproporcional aos recursos financeiros que são destinados a ela.
Nada justifica a decisão dos Ministros que, com seis votos favoráveis ao rol taxativo e três para o exemplificativo, afetaram as esperanças de milhões de pessoas de terem acesso aos preceitos fundamentais da Carta Magna, como a dignidade humana e o acesso à saúde. O julgamento do dia 08 de junho de 2022 representa imenso retrocesso em um entendimento exitoso que tinha se consolidado há mais de 10 de anos pelo Poder Judiciário em favor da vida e do SUS.
O Conselho Nacional de Saúde através da sua Resolução Nº619/2019 e Recomendação Nº 014/2022 manifestou seu posicionamento, embasado na ciência, na pesquisa e na Constituição Federal, pela natureza exemplificativa do Rol de Procedimentos da ANS. Infelizmente constatamos que o STJ não ouviu a defesa do Controle Social e muito menos o clamor de pais, mães, filhos e filhas do Brasil que hoje temem pela vida de seus amados. Um país, já tão flagelado pelas mais de 665 mil vidas ceifadas devido a omissão governamental, não merecia mais esse duro golpe na luta pela garantia integral à saúde de seus cidadãos e cidadãs.
O CNS se solidariza com as famílias atingidas e pede que tenham esperança. Apelamos ao povo brasileiro que siga buscando seus direitos perante o Poder Judiciário. Apelamos ao Supremo Tribunal Federal que acolha todas as ações judiciais que adentrarem essa corte para reverter a decisão tomada por seis magistrados do STJ. Apelamos ao Congresso Nacional que aprove os projetos de lei que defendem o entendimento da cobertura integral dos planos de saúde e da natureza exemplificativa do rol de procedimentos da ANS. O Conselho Nacional de Saúde seguirá lutando porque temos certeza de que “Amanhã será outro dia”.
#VivaoSUS
#RolTaxativoMata
10 de junho de 2022
Fonte: Conselho Nacional de Saúde.
[1] https://www.consumidormoderno.com.br/2022/06/08/decisoes-planos-saude-quadruplicaram-justica/
[2] “Mãe de Guilherme, de 6 anos, que tem microcefalia e autismo, Germana Soares recebeu telefonema do plano de saúde enquanto acompanhava votação do STJ, que fez mudanças na cobertura de operadoras”. https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2022/06/08/esses-ministros-nao-sabem-o-que-e-ir-para-a-fila-do-sus-de-madrugada-diz-mae-de-menino-com-microcefalia-e-autismo-sobre-decisao-do-stj.ghtml
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