A Frente Pela Vida vem manifestar a sua indignação e perplexidade diante dos recentes acontecimentos no Vale do Javari que culminaram com o bárbaro assassinato dos companheiros Bruno Pereira e Dom Phillips, cujos corpos foram encontrados esquartejados. O que estamos vivendo é a barbárie instalada em nosso País. Constatamos indignados, a desenvoltura com que crimes e agressões aos direitos humanos, à cidadania e às instituições da democracia são perpetrados, por omissão ou com conivência do estado brasileiro, em escalada crescente e sem freio, atingindo preferencialmente populações vulnerabilizadas, que incluem povos indígenas, negros, mulheres, população LGBTIAP+ e pobres.
Esta violência antecede em muito a morte de pessoas como Chico Mendes, morto em Xapuri, em 1988, e da missionária Dorothy Stang, 2005 em Anapu (PA). Entretanto, esta violência e sua banalização acentuam-se exponencialmente desde o início do atual governo, e se refletem também na morte de Marielle Franco e Anderson Gomes, no Rio de Janeiro, em 2018, assassinato que contou com a participação do vizinho e conhecido do presidente da república. Estas mortes marcam o recrudescimento da onda de ataques a militantes da democracia, dos direitos humanos, dos povos indígenas, da população LGBTQIAP+ e à instituição do Parlamento. Ações que fizeram com que o deputado eleito Jean Wyllys renunciasse, em 2016 e que Manuela D’Ávila desistisse em maio de 2022 da sua candidatura ao Senado.
Essa escalada de violência passa pelos assassinatos de lideranças de movimentos sociais como ocorreu como o líder dos sem-terra Márcio Rodrigues dos Reis e com o ex-vereador do PT e conselheiro tutelar Paulo Anacleto, ambos mortos, em dezembro de 2019, em Anapu (PA). Atinge também crianças como o Jonatas de Oliveira dos Santos, de 9 anos, assassinado em fevereiro de 2022 em um atentado realizado por pistoleiros contra o seu pai, presidente da associação de agricultores familiares, Geovane da Silva Santos, em Barreiros, Pernambuco.
O terror se repetiu nos 80 tiros disparados, em abril de 2019, pelo Exército Brasileiro contra um carro que transportava uma família e que resultou no assassinato do músico Evaldo do Santos Rosa e de Luciano Macedo que passava pelo local e tentou ajudar aqueles que eram alvo dos disparos. Horror exposto em chacinas como as ocorridas no Jacarezinho em maio de 2021 e na Vila do Cruzeiro em maio de 2022, ambas no Rio de Janeiro, exemplos de uma prática que coloca o Brasil entre as nações mais violentas do Mundo.
Esta inaceitável onda conta com a participação do governo brasileiro e que se materializou mais uma vez no assassinato, em maio de 2022, do Genivaldo de Jesus, em Umbaúba, Sergipe, em um carro da Polícia Rodoviária Federal transformado pelos policiais em câmera de gás e palco de um espetáculo dantesco diante de uma população amedrontada e escandalizada.
Tudo isso reflete uma política governamental que ao invés de proteger o cidadão, destrói vidas e sonhos como das inúmeras crianças mortas por balas perdidas nas comunidades mais pobres e que além disso, faz do Brasil o país com maior número de pessoas LGBTQIAP+ assassinadas.
Esta política também reflete a postura inaceitável do Presidente da República, que assim como fez com as que morreram pela covid-19 com percentual significativo dessas resultantes da irresponsabilidade do próprio governo federal, não tenha uma palavra de conforto para com os parentes e amigos de Bruno e Dom. Pelo contrário, segundo ele os companheiros assassinados “se meteram numa aventura” e que Dom Phillips “era malvisto na região” porque fazia reportagens contra garimpeiros. Sendo que Bruno foi exonerado do seu cargo na FUNAI e Dom Phillips, segundo Bolsonaro, “tinha que ter redobrado a atenção para consigo próprio. Gente que não tinha “permissão para estar ali”.
Uma naturalização da terra sem lei de um chefe do executivo que além de não demonstrar qualquer traço de humanidade ou empatia pelo sofrimento alheio, tenta eximir a necropolítica estabelecida por seu governo no descalabro e destruição atual da região amazônica.
A situação atual escancara um governo mancomunado com forças cujos interesses estão em tudo distantes dos ideais de civilização, dos direitos humanos, da soberania, da sustentabilidade e bem-viver. Mostra ainda a certeza que as atitudes e falta de valores do atual Presidente da República e seus acólitos incentivam e garantem a normalização e a propagação da violência, seja por agentes públicos, por criminosos a serviço de interesses escusos ou no cotidiano das relações sociais.
A quantidade de fatos degradantes com atrocidades cotidianas e repetidas, podem não ter a repercussão dessa última, mas são tão importantes quanto. Este momento de maior indignação deve servir para sairmos do silêncio para enfrentar a barbárie. Eles podem ser muitos, mas somos mais fortes se estivermos juntos. E juntos, sociedade civil, movimentos populares, instituições democráticas, mobilizadas para reverter esta barbárie e impedir qualquer tentativa de golpe fascista nas eleições que se avizinham.
Em conclusão, esse posicionamento da Frente pela Vida apoia e subscreve a nota da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava) de solidariedade às famílias de Bruno e Dom e enfatiza que o caso não se encerra com encontro dos corpos de nossos companheiros. Além da punição exemplar aos envolvidos, a Frente pela Vida propõe para enfrentar esta barbárie e utilizar como exemplo o papel exercido por Bruno e Dom e para evitar a perpetuação da violência na região Amazônica, o imediato estabelecimento imediato de força tarefa permanente composta por todos as partes com representatividade, interesse e conhecimento, especialmente, mas não exclusivamente, a representação dos povos indígenas, direitos humanos, Ministério Público. Além disso, é chegada a hora de responsabilizar o atual governo pelo descaso com os povos indígenas da região e por incentivar por palavras e omissões a violência, a grilagem, o desmatamento e o contrabando.
Que a firmeza do Bruno e a participação de Dom não tenham sido em vão e ecoem pelo país e ganhem o mundo.
Vamos indignados e juntos na contínua luta pelo respeito aos direitos humanos e pela igualdade.
16 de junho de 2022
Fonte: Conselho Nacional de Saúde.