O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, decidiu declarar que o avanço da Mpox constitui uma emergência de saúde pública de importância internacional (ESPII), o nível mais alto de alerta da organização. A decisão seguiu a recomendação do Comitê de Emergência convocado pelo diretor, que se reuniu pela primeira vez nesta manhã.
— Hoje, o Comitê de Emergência se reuniu e me informou que, em sua opinião, a situação constitui uma emergência de saúde pública de interesse internacional. Aceitei esse conselho — disse o diretor-geral em coletiva de imprensa nesta tarde.
— A detecção e rápida disseminação de um novo clado da Mpox no Leste da República Democrática do Congo (RDC) , sua detecção em países vizinhos que não haviam relatado Mpox anteriormente e o potencial de disseminação adicional dentro e fora da África são muito preocupantes — continuou.
Segundo a OMS, a ESPII é “um evento extraordinário que é determinado como um risco à saúde pública de outros países por meio da disseminação internacional de doenças e que potencialmente exige uma resposta internacional coordenada”. De acordo com a organização, isso implica que a situação é grave, repentina, incomum ou inesperada; traz implicações para a saúde pública além da fronteira nacional do país inicialmente afetado e pode exigir ação internacional imediata.
Embora os casos globais de Mpox tenham caído depois do surto inédito há dois anos, a doença continuou a circular, especialmente nos lugares onde já era endêmica, como a República Democrática do Congo (RDC). No país, as infecções têm crescido de forma alarmante e chegaram neste ano a mais de 14 mil infectados e 524 mortos, impulsionados por uma nova linhagem do vírus.
Um dos temores é que a cepa que tem se disseminado não é a mesma do surto de 2022. O vírus Mpox é dividido em duas linhagens, chamadas de Clado 1 e Clado 2. A 2, que é mais branda, foi a responsável pela propagação global em 2022, o que foi associado a ela ter adquirido a capacidade de se transmitir por meio de relações sexuais.
Porém, no fim do ano passado, cientistas identificaram uma nova versão do Clado 1, cuja letalidade chega a ser 10 vezes a do Clado 2, que foi batizada de Clado 1b. Ela também passou a ser disseminada pelo contato sexual e é a responsável pela alta de casos na RDC. O número de infecções no país em seis meses neste ano já é igual ao registrado em todo 2023, destacou Tedros Ahanom, e o vírus se espalhou para províncias anteriormente não afetadas.
Além disso, 90 casos de Mpox foram relatados em quatro países vizinhos que não tinham registros da doença: Burundi, Quênia, Ruanda e Uganda, todos pela nova cepa. Por isso, na última semana, o diretor-geral da OMS anunciou que havia convocado o Comitê de Emergência para avaliar a situação e orientá-lo sobre a necessidade de instaurar, ou não, o nível mais alto de alerta da organização.
— O surgimento no ano passado e a rápida disseminação do clado 1b na RDC, que parece estar se espalhando principalmente por meio de redes sexuais, e sua detecção em países vizinhos à RDC são especialmente preocupantes e um dos principais motivos da minha decisão de convocar este Comitê de Emergência — disse Tedros na abertura da reunião do grupo, que aconteceu de forma fechada e virtual nesta quarta-feira, às 7h (horário de Brasília).
Além disso, o Clado 2 da doença, responsável pela disseminação global inédita em 2022, continua a se disseminar nos países, ainda que em menor proporção. No Brasil, por exemplo, houve 709 casos confirmados ou prováveis de Mpox até agora em 2024, segundo o Ministério da Saúde.
— Não estamos lidando com um surto de um clado, estamos lidando com vários surtos de diferentes clados em diferentes países, com diferentes modos de transmissão e diferentes níveis de risco — destacou o diretor-geral da OMS nesta manhã.
Ao todo, 16 especialistas participaram do Comitê de Emergência como membros ou conselheiros. Entre eles, dois brasileiros: a coordenadora do Laboratório de Biologia Molecular de Vírus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Clarissa Damaso, e o pesquisador do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Cidacs/Fiocruz) Eduardo Hage Carmo.
No Brasil, o Ministério da Saúde disse, em nota nesta quarta-feira, que “acompanha com atenção essa situação e analisa permanentemente as evidências científicas mais atuais sobre o tema em nível internacional, assim como o cenário epidemiológico no Brasil e no exterior, de forma a subsidiar as recomendações e ações necessárias no território brasileiro”.
— Apesar de não termos registrado ainda casos do Clado 1 fora da África, a possibilidade de o vírus chegar às Américas e ao Brasil existe especialmente se considerarmos a transmissão sustentada relacionada ao contato sexual que estamos vendo na RDC, o que facilita a disseminação de uma maneira parecida com a emergência do Clado 2 em 2022. E quanto mais a situação se agrava na África, são mais pessoas infectadas, uma maior transmissão e consequentemente um maior risco para os outros países — avalia a virologista especialista em Poxvírus Giliane Trindade, coordenadora do Laboratório de Vírus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professora de Microbiologia da instituição.
Uma preocupação com uma versão do Clado 1 que consegue se disseminar como o 2 pelo mundo é especialmente devido à agressividade da linhagem. — A mortalidade agora é completamente diferente da que observamos com a outra linhagem de Mpox do surto de 2022. Ela chega a ser de 4% dos casos notificados em adultos e até 10% em crianças pelo que temos observado na RDC — diz o virologista da Universidade Feevale e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Vigilância Genômica de Vírus, Fernando Spilki.
Segundo dados da OMS, 66% dos casos e 82% das mortes na RDC até agora foram abaixo de 15 anos, e 73% entre homens. O infectologista do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) José Cerbino Neto, consultor do Richet Vacina e pesquisador do Instituto D’Or (IDOR), diz que as informações ainda são poucas para saber se a cepa vai circular pelo mundo, mas que a declaração de emergência pela OMS pode ajudar a barrar essa possibilidade.
— Sempre existe o risco de esse vírus se espalhar e, se houver essa expansão da área de transmissão, ele eventualmente chegar ao Brasil. Mas não há como dizer com certeza nesse momento se vai ou não. Com a emergência, haverá medidas de contenção para buscar restringir a circulação do vírus, e é possível que se consiga evitar que ele chegue a outros países — diz.
Para Spilki, que participa junto com Giliane da Câmara Técnica Pox do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), para isso é importante que países estejam atentos e se preparem:
— Como é uma doença extremamente contagiosa, as vigilâncias e os sistemas de controle precisam estar muito atentos para qualquer evidência de casos. E temos o problema de hoje ter o mundo globalizado, com as pessoas viajando e se deslocando, em que, se não houver um cuidado transnacional muito grande, podemos ter uma transmissão sim. Precisamos estar atentos a essa possibilidade especialmente com doenças suspeitas em viajantes e em contatos próximos no país.
Uma das vantagens é o maior acesso às vacinas, inicialmente desenvolvidas para a versão tradicional da varíola, erradicada em 1980, mas que também conferem proteção contra a Mpox por serem da mesma família de vírus.
— A grande pergunta que vem sendo estudada é em que medida a vacina consegue dar uma boa proteção contra essa cepa em específico, o que é bastante possível. Desde junho, as vacinas vêm sendo aplicadas na RDC.
Então é de esperar que continuemos tendo uma proteção adequada. Mas precisamos ter estoques da vacina, principalmente para imunizar as cadeias de contatos próximos daquele paciente e profissionais de saúde, de laboratórios. Isso os países precisam estar preparados — diz Spilki.
No Brasil, uma das vacinas é inclusive aplicada a grupos de maior risco no SUS, como pessoas que vivem com HIV e com contagens baixas de células de defesa. Na última sexta-feira, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um documento oficial em que convidou os fabricantes a submeterem as doses para aprovação de uso em caráter de emergência pela autarquia.
As doses já foram aprovadas por agências reguladoras de referência, como a europeia, a americana e pela Anvisa, mas um aval da OMS poderá acelerar o acesso pelo mundo, especialmente em países de baixa renda, e permitir que parceiros como Gavi e Unicef adquiram os imunizantes para distribuição.
Relembre outras emergências
Essa é a 8ª vez que a OMS instaura o mais alto nível de alerta – e a segunda relacionada à Mpox. Confira abaixo as outras 7 emergências de saúde já decretadas pela organização.
Mpox – 2022 a 2023
A última emergência a ter sido decretada e a ter chegado ao fim foi a relacionada também à Mpox. A doença já era endêmica em alguns países africanos, como na RDC, mas se disseminou pela primeira vez globalmente e de forma inédita por meio de relações sexuais.
A primeira reunião do Comitê de Emergência foi em junho de 2022, e um mês depois o diretor-geral da OMS decidiu instaurar a ESPII. Naquele ano, a Mpox atingiu todos os continentes habitados, provocando cerca de 85 mil casos e pouco mais de 120 óbitos. O Brasil foi o segundo país mais afetado.
Com a queda de novos casos, em 11 de maio de 2023, quase um ano depois, a OMS decidiu encerrar a emergência, ainda que o vírus não tenha deixado de circular em muitas localidades.
Covid-19 – 2020 a 2023
A pandemia da Covid-19 levou a OMS a instaurar emergência ainda no dia 30 de janeiro de 2020. A crise sanitária, uma das piores da História da humanidade, foi provocada por um novo coronavírus, descoberto em 2019 na China. Até agora, foram registradas mais de 7 milhões de mortes e 700 milhões de infectados. Porém, com a vacinação, que envolveu a maior campanha já realizada no planeta, os casos e, principalmente, a gravidade da doença diminuíram. Também em 2023, no dia 5 de maio, a OMS deu fim ao cenário de emergência.
Ebola – 2019 a 2020 e 2014 a 2016
Já houve duas emergências pelo vírus Ebola. A última foi decretada em julho de 2019 devido a um surto na República Democrática do Congo (RDC) e chegou ao fim em junho do ano seguinte.
A anterior foi o surto de maior magnitude que ocorreu na África Ocidental, instaurada entre agosto de 2014 e março de 2016. Ao longo de 28 meses, foram registrados 28.652 casos e 11.325 mortes, com temores de que a doença se espalharia para outros continentes e países.
Zika – 2016
Em fevereiro de 2016, em meio ao aumento de distúrbios neurológicos e malformações fetais devido à infecção de gestantes pelo vírus da Zika, transmitido pelo Aedes aegypti, o diretor-geral da OMS decretou um cenário de ESPII. O status chegou ao fim em novembro do mesmo ano.
Gripe suína – 2009 a 2010
Alguns anos antes, em outro cenário que envolveu fortemente o Brasil, a OMS instaurou emergência de saúde pública devido aos casos de gripe suína H1N1. A doença recebeu esse nome por ser uma nova versão do Influenza que infectava pessoas, porcos e aves.
O surto deixou cerca de 284 mil mortos, e a cepa H1N1 se tornou uma das que causam a gripe sazonal hoje. A ESPII foi decretada pela OMS em abril de 2009 e durou até agosto de 2010.
Poliovírus – 2014 até agora
A pólio é uma doença viral antiga que causa paralisia infantil e foi erradicada em muitos países, como no Brasil, graças à vacinação. No entanto, frente a ainda transmissão internacional do patógeno, a OMS decidiu declarar uma ESPII em maio de 2014, que continua em vigor até hoje. A medida é parte dos esforços para erradicar a doença do planeta.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2024/08/14/mpox-oms-decreta-emergencia-de-saude-internacional-pela-doenca.ghtml