Após registrar alta no período da pandemia de Covid, o número de mortes por AVC (Acidente Vascular Cerebral) começa a cair no país, mostram dados do SIM (Sistema de Informação sobre Mortalidade), do Ministério da Saúde.
Entre 2022 e 2023, a redução foi de 5% (de 35.982 para 34.159 óbitos). Entre janeiro e maio deste ano, a queda foi de 22% em relação ao mesmo período de 2023 (de 13.619 para 10.629), segundo registros preliminares do ministério.
Porém, o número de pessoas que sofrem com sequelas pela doença segue em alta. Um termômetro são aposentadorias por invalidez decorrente do AVC, que dobrou entre 2021 e 2023, de 1.522 para 3.014.
No mesmo período, os afastamentos temporários do trabalho aumentaram 23%, de 11.679 para 14.363. As informações são do Ministério da Previdência Social.
Segundo a neurologista Sheila Martins, presidente da Rede Brasil AVC e professora da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), os óbitos por AVC estavam em queda antes da pandemia, devido a uma série de ações, mas, com a crise sanitária, voltaram a subir nos anos seguintes.
“Com a pandemia, muitos desses serviços se desorganizaram, unidades de AVC viraram unidades Covid. Os pacientes voltaram a morrer mais, a ficarem mais sequelados”, diz a neurologista.
Entre 2013 e 2016, as mortes ficaram acima de 40 mil por ano. Em 2018, atingiram o menor patamar (33.635). A partir de 2020, pularam para a casa dos 35 mil, atingindo o pico em 2022 (35.982).
A queda anterior de mortes à pandemia é atribuída a uma política federal que levou à criação de uma rede de hospitais especializados no atendimento ao AVC e à adoção de uma série de protocolos para reduzir óbitos e sequelas.
Segundo Martins, a partir de 2022, houve também a criação de mais centros do SUS (Sistema Único de Saúde) especializados no atendimento ao AVC, passando de 87 para 119. Somados aos privados, o número total chega a 293.
Há um ano, outra ferramenta importante foi incorporada ao SUS: a trombectomia mecânica, que consiste na desobstrução da artéria cerebral por meio de um cateter que leva um dispositivo para remover o coágulo do vaso sanguíneo no cérebro.
Um deles é o Hospital Estadual Central em Vitória, no Espirito Santo, que em 2023 registrou uma taxa de mortalidade por AVC de 8,6%, metade da média dos hospitais brasileiros.
Segundo Miguel Duarte Neto, secretário estadual da Saúde do Espírito Santo, outro diferencial foi o treinamento do Samu para identificar possíveis casos de AVC e encaminhá-los diretamente ao Hospital Central, sem passar por outras unidades.
“Às vezes, o paciente vai para uma UPA, vai para outro hospital até chegar ao hospital correto. O nosso já vai direto para o hospital referência.”
Para esses casos, não existe fila de espera ou regulação de vagas. “O paciente é encaminhado diretamente. A gente deixa 52 leitos disponíveis, aguardando.”
O treinamento do Samu trouxe uma assertividade de 68% dos casos. Ou seja, quase 7 em cada dez pacientes com suspeita de AVC levados ao hospital têm de fato a doença.
“Ao chegar ao hospital com suspeita de AVC, em 12 minutos o paciente é avaliado, faz a tomografia e tem a definição do tratamento.”
Segundo ele, para evitar mortes e o crescente número de sequelados por AVC é fundamental que o tempo entre o início dos sintomas e o atendimento médico não ultrapasse quatro horas. “Isso determina a possibilidade de sair ou não com sequelas.”
Ele lembra que mesmo que o paciente chegue tardiamente à unidade, com a trombectomia é possível reduzir o dano. A indicação é para pacientes cuja identificação dos sintomas esteja em uma janela entre quatro e 24 horas
Segundo estudo que avaliou hospitais em quatro regiões brasileiras, a taxa de mortalidade em instituições onde não há centros de AVC chega a 49%, contra 17% onde existe. “Isso é inaceitável em um país que tem um plano nacional, que dá direito às pessoas receberem tratamento. Centros de AVC diminuem a mortalidade.”
Para ela, falta coordenação entre estados e prefeituras para que haja mais centros de AVC. “Tem recurso [federal] para pagar equipes, para pagar medicamentos e, agora, para a trombectomia. Então, não podemos aceitar que há lugares que não tenham nada.”
Há três níveis de hospitais que atendem o AVC e recebem recursos do Ministério da Saúde de acordo com o grau de complexidade do atendimento.
Segundo Martins, uma forma de ampliar o acesso ao tratamento precoce do AVC é por meio da telemedicina. “O especialista a distância olha imagem, se precisar, olha o paciente e orienta para fazer o tratamento.” A Rede Brasil AVC conta com um programa de telemedicina para a qualificação dos serviços de AVC. Hoje, 30 hospitais participam da iniciativa.
O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde
Fonte: Folha