Se fosse possível escolher, ele não se medicaria. Mas cumprir a orientação médica de tomar dois comprimidos diariamente é o que acalma o coração do aposentado Demétrios Santos, 75 anos. Cardíaco e hipertenso, embora naturalista, sofre também de artrose, e tem uma única certeza: sem as substâncias, pode morrer.
O remédio mais barato dos três que consome, continuamente, há mais de dez anos, custa cerca de R$ 30. A partir do próximo dia 1º de abril, esse valor vai aumentar. A alta dos medicamentos acontece anualmente e, para 2019, a previsão é de o reajuste fique na base de 4,33%, conforme publicado no Diário Oficial da União pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED).
O Ministério da Saúde (MS) não confirmou o percentual de correção e disse que tem até o próximo dia 31 de março para informar alterações. Ainda não há a informação oficial de novos valores pelo MS, mas Demétrios já sabe que, se quiser garantir o mês que vem com a saúde em dia sem precisar gastar mais, vai ter que se antecipar.
Vice-presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêticos da Bahia (Sincofarba), Luiz Trindade, afirmou que existe um acordo nacional, há cerca de 12 anos, que garante a correção em todos os anos, sempre no final do mês de março.
“Ainda não há a certeza do percentual, geralmente não há propriamente um aumento considerável, mas um reajuste que gire em torno da inflação. Esse ano, talvez tenha alguma coisa a mais”, acredita.
‘Caro demais’
O aposentado Demétrios Santos conversou com a reportagem na tarde desta quinta-feira (21), enquanto aproveitava para comprar remédios em promoção em uma das cinco farmácias visitadas pelo CORREIO, no Centro de Salvador.
Em algumas delas, é possível comprar com até 67% de desconto. Em outra, para a sorte de Demétrios, os maiores de 55 anos têm descontos fixos de até 50%. Em todas as redes visitadas, avisos posicionados nos caixas, corredores e entradas, alertavam para a virada de preços: “Antecipe suas compras antes do reajuste anual de preços do governo”. Segundo os estabelecimentos, contudo, muita gente ainda não sabe da alteração que vem por aí.
“Acho que já são valores altos, absurdos, imagine depois. Eu, se pudesse, só tomaria coisas naturais e chás, mas, infelizmente, minha saúde não deixa. Eu tenho que comprar. Mas hoje eu vim aqui pegar pouca coisa, só estou levando por causa da promoção”, garantiu ele, com três caixas de atenolol na cestinha.
O aposentado levou três, mas só pegou dois, na farmácia Extrafarma, no bairro do Canela. O remédio, controlador das doenças cardiovasculares, custa uma média de R$ 27,33.
Luiz Trindade explicou que as promoções, incluindo as fixas, são uma tendência nas redes. “O comércio é muito aquecido, principalmente na Bahia, porque existe um número superior do que a população precisa. Isso tem gerado uma briga muito grande. Sem dúvida, o consumidor tem sido beneficiado com isso”.
Para ele, a tendência é que pequenas farmácias criem redes para se manterem de pé. “Para conseguir continuar, a gente tem investido em redes associativistas. Aqui na Bahia, nós temos duas fortes. Um dos fundadores da Rede Multmais, são cerca 600 farmácias em todo o estado. Já é uma das maiores do país”, acrescentou.
Presidente do Sindicato dos Farmacêuticos da Bahia (Sindifarma), Magno Teixeira afirmou que a correção de 4,33%, que gira em torno da inflação, é um percentual acima do Indice de Preço Médio ao Consumidor (IPCA).
“O ideal era que fosse um reajuste baixo, porque precisamos ampliar o acesso aos medicamentos e o aumento de preço dificulta isso. Seria bom que a correção fosse a menor possível, para garantir o acesso da população aos medicamentos”, defendeu Magno.
O reajuste
De acordo com a Federação Brasileira das Redes Associativistas e Independentes de Farmácias (Febrafar), o reajuste anual é uma média da inflação acrescida à produtividade do setor farmacêutico no ano anterior ao da correção. O calculo, ainda segundo a Febrafar, é baseado no Fator de Ajuste de Preços Relativos Entre Setores (Fator Y), fixado em 0,443% pela CMED.
As medicações, já com os valores corrigidos, começam a chegar às farmácias gradativamente, a partir de abril. Segundo apurou o CORREIO, o aumento atualiza a tabela de Preços Máximos ao Consumidor (PMC), gerado pelo CMED, e não gera elevação automática nem ajustes imediatos nas farmácias e drogarias, principalmente em relação aos remédios que registram grande concorrência.
O Sindicado do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos da Bahia (Sincofarba) não foi encontrado para repercutir a virada dos preços.
Para o vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb), Júlio Braga, o reajuste é legítimo. Ele afirmou à reportagem que é necessário, no entanto, que o Ministério da Saúde faça um acompanhamento dos valores para que não haja um monopólio, a exemplo do caso de medicações que têm poucos fornecedores.
“O congelamento de preços faz com que haja dificuldade de encontrar no mercado. Somente congelar não é viável. Existem os outros medicamentos que tem apenas um fabricante no mercado e isso acaba criando um monopólio. Nesses casos, o Governo precisa ter ações de evitar o abuso do poder econômico”, comentou.
O médico também alertou para as drogas que são distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Infelizmente, o paciente que tem necessidade, não tem alternativa. O reajuste é necessário, toda empresa precisa fazer, mas que haja esse acompanhamento. A priori, o SUS tem uma lista de distribuição”.
A aposentada Cláudia Fonseca retira remédio no SUS (Foto: Marina Silva/CORREIO) |
A aposentada Cláudia Fonseca, 62, está entre os beneficiários do sistema público. Se antes precisava de um controlador de pressão de quase R$ 200, atualmente, utiliza o losartana, também para conter a pressão, sem precisar pagar nada.
Com uma receita emitida por um médico nas unidades da rede SUS, ela consegue retirar os remédios na Farmácia Popular. Em geral, cada receita dá direito a duas caixas, que dura um mês.
“Tem situações em que preciso comprar, mas aí não é algo como o da pressão, que preciso sempre, são outros, mais baratos até. O que acho é que qualquer um devia ser de graça, porque nós já temos tantas coisas pra gastar e nos preocupar”, afirmou. Cláudia não tem o hábito de comprar medicação em quantidade.
Cuidados
Vice presidente do Cremeb, Júlio Braga comentou que, em casos de pacientes que optem por comprar uma maior quantidade de drogas, na tentativa de economizar antes da virada de preços, é importante se preocupar com duas questões: validade e condições de armazenamento.
“A priori, é imprescindível ter noção do prazo de validade e, ainda, para as medicações a longo prazo, ver como vai armazenar. Existem tratamentos que necessitam de um tempo até o diagnóstico, então é interessante combinar com o médico se vale ou não a pena comprar uma grande quantidade, porque há a possibilidade de suspensão”, destacou Júlio.
A farmacêutica Gildete dos Santos alertou para cuidados (Foto: Marina Silva/CORREIO) |
A farmacêutica Gildete dos Santos, gerente da rede Extrafarma, afirmou que ainda não há a incidência de compras em grande quantidade da mesma medicação no estabelecimento. “Nós não incitamos a compra indiscriminada porque isso depende muito da atenção que cada um dá ao armazenamento. Tem pomadas, por exemplo, que precisam ficar na geladeira, em temperatura específica”, disse.
Ela garantiu, entretanto, que para os pacientes que utilizam as medicações contínuas, ou seja, de controle de diabetes, colesterol e doenças cardiovasculares, há a possibilidade do armazenamento ser uma boa opção para quem já fazem o uso há mais tempo.
“Se a medicação não é mantida nas condições adequadas, no lugar de ser boa, ela pode até trazer danos. Mas quem já usa alguns remédios há mais tempo, sabe como fazer, e aí sempre dá certo. Eu aconselho, claro, falar com o médico que acompanha o tratamento, no caso dos novos pacientes, porque algumas prescrições são temporárias”, complementou.
Por triste ironia, como define, a terapeuta ortomolecular Clara Ribas, 37, sofre de colesterol alto desde a infância. Clara diz que é contrária ao uso das drogas contínuas para o controle da doença, embora admita que, quando decidiu parar de fazer a utilização, foi alertada por médicos de que os índices de gordura no fígado estavam em crescente.
“Infelizmente, já me convenci de que não posso ficar sem alguns remédios, infelizmente. Minhas orientações de cuidados às pessoas vão totalmente na contramão do uso, ainda que moderado, de certos comprimidos”.
Para ela, o armazenamento de medicamentos é um terreno propício à dependência. Em todo caso, ainda que a contragosto, a terapeuta defende que toda prescrição médica é legítima e deve ser respeitada.