Elizabete Soares de Oliveira, 50, convive com a fibromialgia há quase 20 anos. As dores surgiram, principalmente, na lombar, quadril e caixa torácica. Ela buscava atendimento médico, mas o diagnóstico demorou a chegar. “Após os primeiros sintomas, só tive a confirmação aproximadamente 2 anos depois de passar em vários ortopedistas e realizar tratamentos ortopédicos falhos. Até que um médico me encaminhou para um reumatologista que diagnosticou a fibromialgia”, conta.
A história de Elizabete é similar a de outros pacientes que convivem com a condição. Isso porque não existe um exame que faça o diagnóstico da fibromialgia e os sintomas de dor crônica e generalizada podem se confundir com o de outras doenças.
Além disso, o sofrimento na jornada de quem tem a doença vai muito além do físico. “É extremamente difícil conviver com a fibromialgia, principalmente porque é uma doença invisível. Há uma incompreensão imensa por parte das pessoas com as quais convivemos, que atribuem as nossas reclamações à frescura ou preguiça, quando estamos quase incapazes de realizar algumas tarefas”, compartilha Elizabete.
O que é fibromialgia?
A fibromialgia por definição é uma síndrome de dor crônica, caracterizada por uma dor difusa pelo corpo todo, associada a distúrbios do sono, muita fadiga e alterações cognitivas no humor. “Normalmente, para definirmos que é fibromialgia as dores devem ter no mínimo 3 meses de duração”, explica o reumatologia José Roberto Provenza, professor titular de Reumatologia da PUC-Campinas e membro da Comissão de Dor e Fibromialgia da Sociedade Brasileira de Reumatologia .
Elizabete conta que quando está em crise, as dores são tão fortes que a impedem de realizar simples tarefas do dia a dia. “Evito ao máximo sair de casa, e durmo muito mal, já que acordo constantemente à noite e me levanto muito cedo porque se ficar muito tempo em repouso sinto dores fortes. Muitas vezes precisei de ajuda pra levantar e quando não tenho auxílio preciso rolar até a beirada da cama para buscar apoio e me levantar lentamente”.
Por ser uma dor invisível é muito comum que pacientes sofram com o preconceito até mesmo por parte de profissionais. “Vejo que outros pacientes passam pelos mesmos problemas da falta de informação e por vezes do descaso médico, já que muitos desconsideram as nossas dores e até dizem ser até psicológicas”, compartilha Elizabete.
A difícil tarefa de diagnosticar a fibromialgia
Segundo o especialista, o maior desafio é obter o diagnóstico correto da doença, isso porque os sintomas podem sugerir outras condições de saúde que também causam dor crônica. “O diagnóstico tem que ser muito cuidadoso. A fibromialgia pode se parecer com outras situações clínicas, não só com doenças, incluindo as psiquiátricas, mas também com medicamentos que podem causar dores pelo corpo. É um diagnóstico difícil”, destaca Provenza.
Outro ponto que prejudica o diagnóstico é o fato de não haver exames específicos para detectar a doença: o diagnóstico é exclusivamente clínico, mas há critérios bem definidos para isso.
“Duas coisas são importantes: índice de dor generalizada, que caracteriza 19 áreas do corpo que podem estar sensíveis nesse diagnóstico, e a associação desse índice a outro critério que é a gravidade dos sintomas, como a fadiga, ausência de sono reparador, alterações cognitivas, presença de enxaquecas, dor abdominal e depressão”, explica o reumatologista.
Com base nisso, o reumatologista realiza uma somatória desses pontos positivos e consegue classificar o paciente como portador de fibromialgia. Em muitos casos, o médico também pode solicitar exames para descartar a presença de outras doenças, como o hipotereoidismo, doença muscular inflamatória crônica, entre outras.
Sonhos abandonados
O impacto de lidar com uma condição crônica e que causa dores tão debilitantes pode mudar toda a história de uma pessoa. Elizabete conta que após concluir a faculdade, ela desistiu do sonho do mestrado e de se arriscar em outras áreas profissionais. “Mesmo que eu não esteja feliz no trabalho, eu permaneço por medo do incerto. Escolhi não ser mãe por medo de transmitir a genética, já que na minha família há também três casos de espondilite anquilosante (outra doença reumática). A fibromialgia vai bem além das dores físicas porque psicologicamente ela nos devasta também”, lamenta.
Após a demora do diagnóstico, Elizabete teve de enfrentar uma nova jornada em busca do tratamento adequado para o seu quadro. Após tentar vários tratamentos que não deram resultado, ela não conseguia manter o uso de alguns medicamentos por conta dos efeitos adversos. “Eu precisava escolher entre ficar vomitando ou sentir dores. Passei também por um longo tratamento experimental que também foi ineficiente. Com isso, fiquei longos períodos sem conseguir andar porque mancava muito e um reumatologista me encaminhou para 10 sessões de acupuntura que resolveu naquele momento”, lembra.
Como funciona o tratamento da fibromialgia
Assim como o diagnóstico, o tratamento também é complexo. Para Provenza, é necessário que o profissional tenha sensibilidade para lidar com o paciente, que chega, geralmente, ao consultório com um quadro de instabilidade emocional por conta de lidar meses e até mesmo anos com uma dor crônica. Não é raro que pacientes com fibromialgia desenvolvam quadros de ansiedade generalizada e depressão.
“Em primeiro lugar, o médico tem que entender o paciente. Outra coisa super importante e muitas vezes não é levado em consideração, mas também precisamos explicar para o companheiro ou companheira do paciente sobre a importância do tratamento e do acolhimento. A dor existe, e é real”, explica.
Já em relação aos medicamentos, algumas opções podem ser utilizadas de acordo com a individualidade de cada paciente. “Os principais são os inibidores de recaptação de serotonina e noradrenalina, como a duloxetina e venlafaxina, além dos tricíclicos como os derivados de amitriptilina. Derivados de anticonvulsivantes, como a pregabalina e gabapentina também são medicamentos bastante utilizados”, conta Provenza.
Além disso, outras opções não farmacológicas também são altamente recomendadas e eficazes, como a acupuntura e a estimulação magnética e elétrica transcraniana. Esta última ainda é relativamente recente no tratamento da fibromialgia e ainda são poucos os médicos habilitados a aplicá-la.
“Muitas vezes o paciente pode achar que não vai conseguir fazer qualquer tipo de exercício porque vive cansado, mas é fundamental que ele inicie exercícios leves, numa quantidade adequada, sem deixá-lo exausto, dentro dos limites dele. Pode ser pilates, caminhadas, natação, yoga, dança ou tai chi chuan. Outro tratamento fundamental é a terapia cognitivo-comportamental com o psicólogo”, destaca o reumatologista.
Apesar das dificuldades, um olhar otimista para o futuro
Atualmente, Elizabete está melhor das dores da fibromialgia. “Estou sem sintomas, mas qualquer dor que sinto nas costas já fico assustada. Na verdade, acho que acabamos nos acostumando tanto com as dores que só levamos em consideração quando estas já nos limitam”, conta.
Recentemente, por conta da melhora do seu quadro, ela recebeu alta do tratamento no Hospital do Servidor, em São Paulo. Contudo, fica o medo de ter perdido acesso ao acompanhamento de profissionais que a faziam se sentir segura.
Quanto ao futuro, Elizabete sonha que a realidade mude e que outros pacientes não sofram o que ela sofreu. “Meu sonho para o futuro é de que os profissionais da saúde ofereçam um atendimento mais humanizado aos pacientes, e principalmente que haja uma maior oferta de profissionais capacitados pelo SUS, em todo o país. Os pacientes que vivem no interior têm muita dificuldade em conseguir acesso a um mínimo tratamento”.