Bilhões de pessoas no mundo podem estar consumindo menos
micronutrientes essenciais à saúde do que o necessário, segundo estudo publicado nesta quinta-feira, 29, na respeitada revista científica The Lancet Global Health.
A maioria da população global apresenta ingestão inadequada de 15 micronutrientes, estimaram os pesquisadores de Harvard, da University of California Santa Barbara, Tel Aviv University, Global Alliance for Improved Nutrition e do Instituto Nacional de Salud Publica do México.
“O estudo fornece evidências fortes de que a dinâmica atual dos sistemas alimentares não está atendendo às nossas necessidades da maneira como precisamos. Precisamos pensar cuidadosamente sobre como reformar nossos sistemas alimentares para que sejam mais sustentáveis, mais nutritivos e realmente promovam a saúde das pessoas”, afirmou Christopher Golden, professor de Nutrição e Saúde Planetária da Harvard School of Public Health, um dos autores da pesquisa, ao Estadão.
Ao contrário de outros estudos, que recorreram a estimativas sobre fornecimento de alimentos ou a dados de deficiência de micronutrientes, os pesquisadores inovaram ao usar informações sobre ingestão de alimentos. Para isso, recorreram ao
Global Dietary Database (banco de dados dietéticos global, em tradução literal), que compila conjuntos de dados dietéticos individuais de 185 países. A análise considerou todo o período entre 1990 e 2018.
Micronutrientes são vitaminas e minerais necessários ao corpo em quantidades muito pequenas, de acordo com a
Organização Mundial da Saúde (OMS). “No entanto, seu impacto na saúde do corpo é crítico, e a deficiência de qualquer um deles pode causar condições graves e até fatais”, alerta a agência internacional.
As deficiências de micronutrientes estão entre as formas mais comuns de desnutrição em todo o mundo, segundo os pesquisadores, e podem ter outras causas além da dieta, como alterações na microbiota, infecções e a própria menstruação. “Há uma variedade de fatores que podem levar a deficiências de micronutrientes, mas dos fatores controláveis, a dieta é provavelmente o mais fácil de modificar, ou seja, é nela que vemos o maior potencial de intervenção”, disse Golden.
Em números
De acordo com o artigo, a ingestão inadequada foi especialmente comum para o iodo, atingindo 5,1 bilhões de pessoas (68% da população mundial). Esse número, contudo, pode estar superestimado porque parte dos países fortifica o sal de cozinha com iodo e a pesquisa não analisou esse incremento. Para Golden, a estimativa do estudo reforça a importância da fortificação como forma de garantir a ingestão adequada de iodo.
Outros micronutrientes com alto nível de déficit foram:
- vitamina E: 5 bilhões (67%)
- cálcio: 5 bilhões (66%)
- ferro: 4,9 bilhões (65%)
Os nutrientes com os menores números de consumo inadequado foram:
- niacina: 1,7 bilhão (22%)
- tiamina: 2,2 bilhões (30%)
- magnésio: 2,4 bilhões (31%)
“A carência de cada nutriente traz consequências específicas para a saúde pública”, destacam os pesquisadores no artigo. Elas vão de prejuízos à imunidade até anemia e cegueira.
A estimativa, porém, não considera suplementação ou fortificação (prática de acrescentar um ou mais nutrientes ao alimento), como no caso do iodo no sal de cozinha. Por isso, ela pode superestimar o risco para alguns micronutrientes em certos países.
Outras limitações da análise incluem falta de dados subnacionais (um mesmo país pode apresentar diferentes tipos de dieta, e nem todas necessariamente estão presentes nas estimativas nacionais) e tabelas de composição de alimentos desatualizadas, com dados que podem ser dos anos 1970 ou 1980 e que não representam a diversidade global — uma batata do Reino Unido e uma do Brasil podem ser muito diferentes em composição.
Um problema global
No artigo, os pesquisadores apontam que a inadequação na ingestão de cálcio foi maior nos países do sul da Ásia, da África subsaariana e do leste da Ásia e do Pacífico, especialmente entre pessoas de 10 a 30 anos.Globalmente, as estimativas de ingestão inadequada foram mais altas para mulheres do que para homens no caso do iodo, vitamina B12, ferro e selênio, escreveram. Por outro lado, mais homens consumiram níveis inadequados de niacina, tiamina, zinco, magnésio e vitaminas A, C e B6 em comparação com as mulheres.
“No mundo da nutrição, as pessoas tendem a se concentrar muito em grupos demográficos específicos, isso inclui crianças muito pequenas e talvez a adolescência, e há um foco muito maior em mulheres do que em homens. O que nossos resultados mostraram é que, dependendo do nutriente que se está analisando, essas ingestões inadequadas afetam a todos”, disse Golden.
Ao mesmo tempo, o mundo encara taxas alarmantes e ascendentes de sobrepeso e obesidade. Para o pesquisador, isso tem a ver com duas coisas: a degradação ecológica e ambiental, e a crescente integração dos mercados globais. ” O que estamos enfrentando é uma redução na diversidade nas dietas tradicionais de muitas culturas, que está sendo suplantada pela chamada ‘dieta ocidentalizada’.”
“Essa dieta é tipicamente composta por alimentos de alta energia, ou seja, ricos em calorias, potencialmente com alto teor de açúcar e altamente processados. Assim, as pessoas podem estar consumindo uma quantidade adequada de calorias, mas, ao mesmo tempo, não estão obtendo micronutrientes essenciais e críticos que desempenham funções fisiológicas importantes”, afirmou.
O que fazer?
Frente aos resultados, seria a suplementação uma forma de enfrentar o déficit? Não para Golden.
A melhor maneira de fornecer esses nutrientes é por meio da alimentação, não de pílulas Christopher Golden, professor de Nutrição e Saúde Planetária da Harvard School of Public Health
Para ele, a suplementação tem um espaço nessa resposta, mas menor do que alguns possam imaginar e apenas em casos específicos. “A melhor maneira de fornecer esses nutrientes é por meio da alimentação, não de pílulas.”
“Ao entregar esses nutrientes por meio de pílulas, você não obtém todos os outros benefícios que os alimentos podem proporcionar. Com os alimentos, você recebe múltiplos micronutrientes e outras dimensões que podem influenciar a microbiota e outras partes da saúde”, finalizou.
Fonte: Estadão
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