A garota Beatriz chega a um ambulatório de reumatologia depois de ser encaminhada pelo pediatra com queixa de dor e inchaço no joelho esquerdo e tornozelo direito, sintomas que fazem parte do dia a dia da menina há cerca de três meses. Ao andar, ela manca. Além disso, o joelho está inchado, com aspecto mais gordinho e quente. Após examinar Beatriz, o reumatologista pediátrico falou para os pais: “A filha de vocês tem artrite idiopática juvenil”.
Essa história está no guia Meu filho tem artrite, uma publicação da organização não governamental (ONG) Acredite, que proporciona suporte ao tratamento médico de crianças e adolescentes que convivem com doenças reumáticas, como a artrite idiopática juvenil (AIJ). À primeira vista, a enfermidade pode causar estranhamento, já que muita gente relaciona reumatismo à população idosa. Mas acredite: apesar de soarem como um problema de saúde mais vivenciado no processo de envelhecimento, as doenças reumáticas também podem acometer crianças e adolescentes.
Acredita-se que cerca de 25% das doenças reumáticas ocorram geralmente no universo de pacientes com menos de 16 anos nos países desenvolvidos. Os especialistas desconfiam de que esse percentual seja subestimado nos países em desenvolvimento como o Brasil, onde a febre reumática ainda é negligenciada pelas políticas de saúde que não registram os casos e nem têm controle sobre o tratamento contínuo dos pacientes.
“No Brasil, a febre reumática ainda tem sido a mais comum das doenças reumáticas, segundo levantamentos epidemiológicos. Acredito, no entanto, que brevemente esse cenário será invertido, pois passamos a ver mais casos de artrite idiopática juvenil nos consultórios”, diz o reumatologista André Cavalcanti, membro da Comissão de Reumatologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Reumatologia.
O médico, que está à frente do Ambulatório de Reumatologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC/UFPE), chama atenção para o fato de algumas das doenças reumáticas causarem efeitos que vão além da inflamação das articulações. “São enfermidades que podem acometer rins, pulmão, coração, sistema nervoso central, pele, sangue e olhos. Por isso, é importante fazer um diagnóstico precoce e iniciar um tratamento adequado”, diz André.
Muitas dessas enfermidades, segundo o especialista, têm um caráter autoimune. É o caso da artrite idiopática juvenil, que está relacionada a alterações do sistema imunológico, de causa ainda desconhecida. Na criança ou adolescente com a doença, as células que têm como missão defender o organismo de agressores (como bactérias) passam justamente a atacá-lo. É assim que nasce um processo inflamatório, que prejudica as articulações, causa inflamação e dor.
Nos pequenos pacientes com a doença, a principal manifestação clínica mescla a dor com inchaço e aumento de temperatura de uma ou mais articulações. E mais: a dor pode ser mínima ou inexistente. Por isso, o diagnóstico pode atrasar em alguns casos. “Felizmente, as crianças com a doença estão chegando mais cedo nos consultórios. Há situações em que não demoramos mais de um mês para detectar a artrite idiopática juvenil. Isso é muito bom porque iniciamos o tratamento cedo”, diz André.
Esse salto, que promove o diagnóstico rápido e o início imediato do tratamento, vem de uma ligação íntima dos reumatologistas com outras especialidades médicas. “Os pediatras e ortopedistas estão mais alertas em relação a queixas que levam a suspeitar de doenças reumáticas na infância. Assim, o encaminhamento para o reumatologista tem sido mais rápido”, informa André, que chama atenção para o fato de alguns casos de artrite idiopática juvenil passarem a ser investigados após um trauma. “A criança cai, e os pais observam a junta inchada. Há situações em que a queda não foi a causa da inflamação. A criança caiu porque o inchaço da articulação favoreceu o tombo.”
A boa notícia é que, graças aos avanços no tratamento da artrite idiopática juvenil e de outras doenças reumáticas, os pequenos pacientes conseguem ter qualidade de vida e evitar a incapacidade física. Os medicamentos disponíveis conseguem controlar a inflamação da articulação e a dor, além de evitar deformidades. A terapêutica pode incluir anti-inflamatórios, corticoides em alguns casos, imunossupressores e imunobiológicos. “Cada caso deve ser olhado individualmente. Apesar de não falarmos em cura, sabemos que a doença é passível de controle, o que leva a criança a ter qualidade de vida”, conclui André Cavalcanti.
Fonte: Casa Saudável Uol