A pandemia de coronavírus é uma dor aguda que escancara as nossas dores crônicas. É sabido que nem o mais rico entre os países estaria preparado para o afluxo súbito de milhares de pessoas acometidas por uma doença até então desconhecida, para a qual não há vacina nem tratamento específico. Porém, há uma larga diferença entre os pontos de partida, entre as nações que contam com estruturas construídas ao longo de décadas e as que precisam partir quase do zero.
Logo, os brasileiros não cansam de perguntar se o SUS (Sistema Único de Saúde) está preparado para a pandemia. Poucos sabem que temos o maior sistema de acesso universal à saúde do planeta, referência internacional não só por seu alcance mas pela excelência de diversos de seus programas, entre eles os que são capazes de prevenir as doenças, como os Agentes Comunitários de Saúde.
No entanto, em sua própria casa, como um gigante inacabado e maltratado, o SUS costuma ser percebido mais por seus tombos do que pela grandeza. Somos bombardeados há anos com imagens de equipamentos de saúde que fecham, longas esperas, atendimentos sumários, casos de corrupção e má gestão, filas e mortes evitáveis. Enquanto as causas raramente são vistas, os efeitos nefastos são amplamente propalados.
Daí resulta que somos um dos mais bem preparados países em matéria de resposta às pandemias, mas justamente as nossas maiores virtudes estão sendo enfraquecidas ou eliminadas.
Ao longo dos anos, o Brasil desenvolveu capacidades decisivas para fazer frente às emergências. Contudo, políticas de austeridade, ausência de prioridade política, privatização desafortunada, propaganda ideológica, fundamentalismo religioso e outras mazelas vêm comprometendo programas que outrora foram florões da saúde pública brasileira. A indiferença quanto à dilapidação deste patrimônio nacional explica-se pela existência de duas saúdes: uma para os pobres e a outra para os remediados e ricos. Essa dualidade, além de indecente, compromete a segurança de todos nós.
Justamente quando se vê convertido em grande laboratório global do avanço do novo coronavírus — por ser um país em desenvolvimento com dimensão continental e população que ultrapassa os 200 milhões de habitantes—, o Brasil descobre o tesouro que está por perder. Além de sua estrutura complexa que envolve as três dimensões federativas, existe a massa crítica oriunda de um potente sistema público de formação e pesquisa, fruto do investimento dos recursos dos contribuintes brasileiros e hoje ameaçado.
Telemedicina no SUS