Em live, Movimento Medicamento no Tempo Certo reuniu líderes de associações de pacientes para debater o impacto da Covid-19 na vida de quem convive com uma doença crônica
Em transmissão ao vivo via redes sociais, na última segunda-feira (14/06), o Movimento Medicamento no Tempo Certo reuniu importantes lideranças do controle social para debater o impacto da Covid-19 no cenário de falta de medicamentos nas farmácias de alto custo de todo o Brasil.
Mais de 30 medicamentos estão em falta no SUS
A pandemia trouxe diversos desafios para os pacientes com doenças crônicas. Além do impacto psicológico de se fazer parte do grupo de risco, há falta de medicamentos de alto custo essenciais para a qualidade de vida de milhares de pacientes crônicos.
A lei do SUS diz que a atenção à saúde deve ser integral abrangendo tudo que seja necessário para prevenir e tratar as doenças. Muitas condições crônicas, principalmente, as imunomediadas que não têm cura demandam um tratamento medicamentoso e multidisciplinar de uso contínuo e requer do SUS a estruturação da assistência farmacêutica.
A assistência farmacêutica no SUS faz parte da política nacional de medicamentos do Ministério da Saúde que foi criada para garantir a oferta de medicamentos de qualidade e eficácia. Ou seja, o medicamento certo, na dose certa, com regularidade correta e com prescrição de um médico. Infelizmente, na prática é bem diferente.
“O medicamento é um insumo essencial e não deve ter seu fornecimento negligenciado. A jornada de acesso ao medicamento de alto custo sempre foi desafiadora, mas desde o início da pandemia tem sido pior para os pacientes”, conta Ana Lúcia Paduello, conselheira nacional de saúde.
Uma pesquisa realizada pelo Movimento Medicamento no Tempo Certo, em parceria com outras associações, mapeou denúncias de falta de medicamentos no SUS durante o mês de maio. Foram registrados 2526 relatos, que apontaram irregularidades no fornecimento de 35 medicamentos nas farmácias de alto custo em todos os estados brasileiros.
Em primeiro lugar no ranking de desabastecimento ficou o estado de São Paulo, seguido pelo Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Já entre as doenças que mais ficaram sem tratamento foram a artrite reumatoide, espondilite anquilosante, doença de Crohn, lúpus, artrite psoriásica, artrite idiopática juvenil, psoríase, retocolite ulcerativa, esclerose sistêmica, hidradenite supurativa, dermatopolimiosite e osteoporose.
Associações de pacientes relatam o impacto em diversas doenças
Já em relação aos medicamentos que estão em desabastecimento há tanto os de alto custo como os imunobiológicos, mas também medicações simples como o omeprazol. Para denunciar a falta de medicamentos acesse o link: abre.ai/faltademedicamentos
“É muito importante que os pacientes sempre questionem o porquê da falta de medicamentos ao farmacêutico da farmácia que o atende. Com a informação, a gente consegue lutar por uma reposta”, conta Eni Maria, do Grupasp.
O impacto da pandemia também foi sentido pelos pacientes que convivem com a hanseníase. Apesar de um dos medicamentos principais usados no tratamento não ter mais patente, isso não foi o suficiente para evitar o problema. “Apenas um laboratório produz o medicamento que é doado para o mundo todo. Tivemos uma falha na produção durante a pandemia que causou um desabastecimento de meses. Se tivéssemos uma produção de insumos estratégicos no país e que garantisse a distribuição para a população vulnerável, não enfrentaríamos esse cenário”, conta Artur Custódio, da Morhan.
Para Gustavo San Martin, da Amigos Múltiplos pela Esclerose e CDD, lidar com a irregularidade no acesso ao tratamento faz parte da sua jornada há mais de 10 anos. “Quando recebi o diagnóstico de esclerose múltipla, em 2011, fui à farmácia buscar meu medicamento e não tinha. Uma década depois e ainda temos de lidar com isso. Com mais pessoas tendo direito ao SUS, com legislações que enfraquecem o nosso financiamento, o cobertor fica mais curto a cada ano que passa”.
O representante compartilhou dados de uma pesquisa realizada pelas associações que constatou que mais de 50% dos pacientes sofreram com a falta de medicamentos essenciais para o tratamento nos últimos seis meses. Destes, cerca de 40% tiveram de enfrentar uma espera de até três meses para o medicamento chegar.
Para os mais de 80 mil pacientes transplantados, a pandemia também trouxe momentos de extrema tensão. Um dos medicamentos utilizados para evitar rejeição em casos de transplante renal, o micofenolato de sódio, que é fabricado pelo Laboratório Químico Farmacêutico do Exército, esteve em falta. “Ao mesmo tempo, o mesmo laboratório chegou a marca de mais de 300 mil comprimidos de cloroquina, sem nenhuma comprovação científica para tratamento da Covid-19”, conta Moysés Toniolo, da ANAIDS.
Já no Ceará a união entre associação de pacientes e a Sociedade Cearense de Reumatologia conseguiu minimizar os impactos. “Desenvolvemos uma linha de cuidado, na qual os pacientes podiam se cadastrar para receber o medicamento. Esta linha conseguiu garantir a compra do medicamento”, conta Marco Aurélio, do Garce.
Dificuldade de diálogo com o Ministério da Saúde
As lideranças comentaram durante a live a dificuldade de interlocução com o Ministério da Saúde para discussão da crise de abastecimento de medicamentos. “Antes fazíamos o questionamento por e-mail e tínhamos respostas. Até mesmo marcávamos reuniões e falávamos com representantes. Hoje em dia, não é mais assim”, conta Ana Lúcia.
O impacto da irregularidade no acesso aos medicamentos afeta não só a saúde dos pacientes, como também onera o próprio sistema público de saúde. Os pacientes podem perder a remissão e, com isso, precisarem realizar novos exames e iniciarem novas terapias medicamentosas, demandando mais custos no SUS.
A união das entidades é muito importante neste momento tão desafiador. “Precisamos seguir reinventando o nosso ativismo e sendo solidário. Quem está vivo tem que estar sempre lutando, mesmo que esteja bem de saúde, por quem precisa mais”, reforçou Moysés, da ANAIDS.
Atualmente o Ministério da Saúde, responde aos questionamentos da sociedade civil, somente por meio da Lei de Acesso à Informação, e em 2021,o tempo médio de espera para receber uma resposta tem sido de 35 dias. O último questionamento enviado pelo MTC ao Ministério da Saúde, foi enviado no dia 13 de maio e respondido no dia 21 de junho.
Confira os medicamentos em falta, reportados por pacientes ao Movimento Medicamento no Tempo Certo
- Abatacepte Endovenoso (Infusional)
- Abatacepte Subcutâneo
- Ácido Fólico
- Ácido salicílico
- Adalimumabe – Humira
- Azatioprina
- Betametasona
- Biomanguinhos Infliximabe
- Certolizumabe pegol
- Danazol cápsulas de 100 ou 200 mg
- Difosfato de cloroquina 150 mg
- Etanercepte – 50mg – Enbrel
- Etanercepte 50mg – Brenzys
- Golimumabe
- Hidroxicloroquina 400 mg
- Infliximabe – Remsima
- Leflunomida
- Mesalazina comprimido
- Mesalazina supositórios
- Metotrexato comprimidos
- Metotrexato injetável
- Micofenolato de mofetila
- Naproxeno
- Omeprazol
- Prednisolona
- Prednisona comprimidos
- Rituximabe
- Secuquinumabe
- Sildenafila
- Sulfassalazina
- Tocilizumabe
- Tofacitinibe
- Ustequinumabe
- Vedolizumabe
Questionado sobre a falta destes medicamentos, o Ministério da Saúde via Lei de Acesso à Informação (25072.013190/2021-45), informou no dia 21 de junho de 2021, que “a equipe está empenhada na análise e distribuição dos medicamentos para o atendimento da programação do 3º trimestre de 2021, encontram-se pendentes de entrega apenas os medicamentos adalimumabe seringa, que atendeu 39 dias da programação do 1º trimestre de 2021, porém atendeu 100% da programação do 2º trimestre, metotrexato 2,5mg, que atendeu 52 dias da programação do 2º trimestre”.
O Ministério da Saúde queixou-se ainda da quantidade de informações solicitadas: “o conjunto desejado de informação, em quantidades excessivas, gera um impacto significativo na realização das atividades rotineiras da instituição requerida, acarretando prejuízo injustificado aos direitos de outros solicitantes“. Ou seja, os pacientes deixam de receber seus medicamentos no tempo certo, e o Ministério da Saúde, além de atrasar a compra e entrega dos medicamentos, não deseja ser questionado e não está disposto a prestar esclarecimentos ao controle social.
A irregularidade no envio destes medicamentos, não é um relato apenas dos pacientes, as Secretarias Estaduais de Saúde, declaram irregularidades e atrasos na entrega dos medicamentos de competência do Ministério da Saúde.
O controle social, seguirá monitorando a indisponibilidade e irregularidade do fornecimento de medicamentos nas farmácias de alto custo de todo o Brasil. A Assistência Farmacêutica no SUS, faz parte da Política Nacional de Medicamentos do Ministério da Saúde, que foi criada para garantir o acesso a medicamentos de qualidade e eficácia não somente dos registros sanitários, mas de todas as esferas da linha de cuidado farmacêutico, e isso, requer o medicamento certo, na dose certa, na regularidade correta, e com a prescrição realizada por um médico assistente, pois o medicamento é um insumo essencial que não deve ter o seu fornecimento negligenciado.
Falta de medicamentos no SUS afeta pacientes com doenças crônicas (1)