O problema atinge de 10 a 20% das crianças, segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, e até hoje a ciência não descobriu a causa. Saiba o que fazer se seu filho reclama do desconforto.
Maya, 6 anos, é uma menina bastante ativa. Faz dança, natação e capoeira e adora correr e pular corda, como qualquer criança de sua idade. Recentemente, começou a se queixar de dores nas pernas. As reclamações, em geral, surgiam à noite, perto da hora de dormir e eram mais frequentes após um dia de muito agito. A mãe, a advogada Fernanda Glezer Szpiz, 44, resolveu levá-la a uma clínica ortopédica. Em função das características da queixa, o ortopedista deu logo o veredicto: dor do crescimento. “Ele também fez um raio X, embora já tivesse certeza do diagnóstico, só para excluir qualquer doença mais grave”, diz Fernanda, que também é mãe de Natan, 4.
Os sinais da dor do crescimento, de fato, são simples de se identificar. Na maioria dos casos, trata-se de uma sensação dolorosa que acomete os membros inferiores, principalmente a região da panturrilha, atrás dos joelhos e nas coxas – e raramente nas articulações. Outra característica comum é que a dor é bilateral, ou seja, as duas pernas costumam doer (ao mesmo tempo ou em dias alternados), e intermitente.
“O que significa que, apesar de em algumas ocasiões a dor surgir diariamente, a criança pode sofrer uma crise e ela voltar a aparecer somente dias, semanas ou até mesmo meses depois”, explica a pediatra Sara Freitas Oliveira, do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga (Portugal), em uma revisão de estudos sobre o tema. Por fim, os episódios são mais frequentes à noite – talvez porque só nessa hora as crianças notem o incômodo, ao ficarem imóveis –, duram, em média, 30 minutos, e a intensidade varia de fraca a forte.
Se o seu filho nunca se queixou, pode ser que em algum momento da infância o problema apareça, já que ele acomete de 10 a 20% das crianças, segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). E quando você perguntar onde está incomodando, em vez de apontar um só local, ele provavelmente vai deslizar a palma da mão sobre a região.
Mas então quer dizer que crescer dói? “Não existe relação entre essa condição e o crescimento. Até porque ela surge entre os 3 e os 12 anos, enquanto os picos de maior desenvolvimento acontecem nos primeiros dois anos e na adolescência”, afirma Sara Oliveira, que falou à CRESCER com exclusividade. Além disso, raramente afeta os membros superiores e outras zonas do corpo, que também crescem. E se o motivo fosse esse mesmo, absolutamente todas as crianças deveriam senti-la, não é mesmo?
Não tem causa
A dor do crescimento foi descrita pela primeira vez em 1823 pelo médico francês Marcel Duchamp, que, na época, a atribuiu ao rápido desenvolvimento esquelético. Atualmente, outros termos médicos também são usados para definir o problema, como síndrome dolorosa musculoesquelética não inflamatória ou dor em membros inferiores de diagnóstico de exclusão. “No entanto, a designação ‘dor do crescimento’ ainda é universalmente aceita, pois deixa implícito o seu caráter benigno e transitório”, conclui Sara. Em outras palavras, deixa pais e mães mais tranquilos.
“Existem algumas teorias a respeito da causa, mas até hoje não há consenso sobre o assunto”, afirma o reumatologista pediátrico Claudio Len, da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR). Pesquisas recentes propõem, por exemplo, que ela estaria ligada a diminuição da resistência óssea, baixo limiar de dor, alterações vasculares e anatômicas e hipermobilidade das articulações – como mostrou uma revisão de estudos feita este ano pela Universidade da Catânia (Itália) e publicada no World Journal of Orthopedics. Parte disso, provavelmente, resultaria em uma espécie de fadiga nos músculos ou ossos, especialmente após atividades físicas intensas, como uma aula de esporte ou uma festinha de aniversário animada. Porém, como demonstrou o artigo, mais estudos são necessários para entender a origem do problema.
Ao menos uma relação é bastante evidente, de acordo com os cientistas italianos: a hereditariedade. A própria Fernanda, do início da reportagem, lembrou-se que também passou pelo mesmo incômodo da filha, quando criança. “Na época, meu pai, que é médico, concluiu que os sintomas indicavam dor do crescimento. Foi como um déjà vu”, conta.
Para os especialistas, entretanto, mais importante do que descobrir o que está por trás da dor do crescimento é o que não está. “Trata-se de um diagnóstico de exclusão: é importante identificá-la principalmente para afastar outros tipos de dor não benignas”, afirma o pediatra Thomaz Couto, da Sociedade Beneficente Albert Einstein (SP). Segundo o pediatra, há diversos males que podem apresentar sintomas parecidos, como traumas, inflamações nas articulações ou nos ossos, doenças reumatológicas e até mesmo alguns tipos de tumores ósseos.
“Problemas mais preocupantes, evidentemente, vêm acompanhados de outros sintomas, além das dores nas pernas (febre, falta de apetite, inchaço local, entre outros), e não desaparecem espontaneamente”, explica Couto. Para auxiliar os pediatras no diagnóstico, o Departamento de Reumatologia da SBP elaborou o documento “Isso é dor de crescimento ou algo mais sério?”. Ele indica métodos para diferenciar dores benignas das de doenças mais graves.
Daí a importância de levar o seu filho ao pediatra diante de qualquer desconfiança, ainda que os sintomas não interfiram na rotina dele. “A dor pode inclusive acordar a criança de madrugada. Mas, no dia seguinte, ela já não se queixa, o que faz muitos pais acharem que é manha”, completa o ortopedista pediátrico Wilson Lino Junior, do Sabará Hospital Infantil (SP). O que não surpreende – afinal, na hora de ir para a cama, os pequenos fazem de tudo para chamar a atenção e ganhar uns minutos a mais acordados.
É importante observar
Mesmo que você reconheça os sinais, é o especialista quem pode afirmar ao certo se são ou não dores do crescimento, claro. Na consulta, ele vai fazer um exame físico do paciente e avaliar as características da queixa – onde, quando e como dói, entre outras questões. De acordo com o ortopedista Lino Junior, exames mais elaborados, como hemograma, raio X e ultrassom, são realizados apenas para investigar outras possíveis doenças em caso de suspeita. “Do contrário, são desnecessários para esse diagnóstico”, afirma.
Cecília, 5 anos, é um exemplo de como importa acolher toda e qualquer dificuldade do seu filho. Após o Dia das Mães do ano passado, ela acordou aos berros. “Apontava para a perna e chorava. Como havia brincado bastante naquela tarde, assumi que essa fosse a causa”, recorda-se a mãe, a revisora e tradutora Marina Jarouche Aun, 39. Ela achou melhor levar a filha ao pediatra no dia seguinte.
O especialista pediu à mãe para observar a evolução dos sintomas. “Ela ficou bem por duas semanas, mas a dor voltou e não parou mais. Minha filha foi encaminhada a um ortopedista, que descartou de vez a dor do crescimento, já que o desconforto era constante”, conta Marina. Após alguns exames, que confirmaram uma inflamação nas articulações, Cecília foi avaliada por um reumatologista.
O diagnóstico veio após alguns meses de investigação: artrite idiopática juvenil (AIJ), doença autoimune que se caracteriza por uma inflamação nas articulações, causando dor e inchaço no local, e pode interferir no crescimento, entre outras sequelas.
Cecília iniciou o tratamento em seguida e hoje leva uma vida normal. “Quando a criança é pequena, acredito que os pais dificilmente ignoram o choro. Mas já ouvi relatos de gente mais velha que levou até um ano para buscar ajuda. O problema é que alguns medicamentos mais fortes podem mascarar a dor e, quando a doença é grave, como no caso da Cecília, quanto mais precoce o diagnóstico, melhor”, alerta a mãe.
E mesmo dores aparentemente inofensivas podem trazer prejuízos quando confundidas com dores do crescimento e não tratadas devidamente. Foi o que mostrou uma pesquisa feita pela Universidade de Aarhus (Dinamarca) com cerca de 3 mil adolescentes entre 12 e 19 anos.
“Observamos no estudo que um em cada três jovens nessa faixa etária apresentam dificuldades relacionadas a dores no joelho. Mais da metade ainda tem problemas dois anos depois [do início das queixas]. Sendo assim, não é algo que eles necessariamente param de sentir ao crescer”, afirma o fisioterapeuta Michael Skovdal Rathleff, autor da pesquisa, que foi publicada na revista científica BMC Pediatrics. Ele explica que o risco de o sintoma ser ignorado é a dor se tornar crônica, o que pode acontecer ainda na adolescência, e afetar a qualidade de vida dos jovens.
Tratamento simples
A criança reclamou, você a levou ao médico, é dor do crescimento? O tratamento pode começar de imediato, então. E como não existe uma causa orgânica, ele consiste basicamente em aliviar o desconforto com analgésicos (prescritos pelo médico), massagens e compressas mornas no local.
“O uso de pomadas também é comum, mas os pais precisam estar atentos à composição, já que muitas fórmulas contêm anti-inflamatórios e podem não ser adequadas para a idade”, lembra o ortopedista Lino Junior. Uma alternativa seria massagear a criança com um hidratante infantil – mais para as mãos deslizarem melhor –, sugere o especialista.
O apoio dos pais também faz diferença. Quem afirma é o neurocirurgião José Oswaldo de Oliveira, diretor científico da Sociedade Brasileira Para o Estudo da Dor. “As crianças têm a vantagem da resiliência quando o assunto é dor, pois conseguimos distrair sua atenção com facilidade e, assim, amenizar o sofrimento”, diz. Por isso, essas medidas não farmacológicas que envolvem a interação entre filhos e pais são bastante eficientes, segundo o especialista.
Especialmente ao considerarmos que a maioria das crises dura, no máximo, meia hora, a mesma quantidade de tempo que a medicação leva para fazer efeito. Uma pesquisa feita pela Universidade de Ottawa (Canadá) verificou que a prática de alongamento reduziria o tempo das crises. Mas os cientistas concluíram também que a melhoria seria resultado da atenção que as crianças recebiam dos pais (nesse caso, duas vezes ao dia). Viu só?
Em algumas situações onde a dor é mais intensa, porém, o pediatra pode recomendar um tratamento preventivo, isto é, o uso de analgésicos à tarde, antes de a dor se manifestar. Mas, não custa lembrar, nada de medicar o seu filho sem orientação médica.
Vai passar
Assim como chega sem avisar, a dor do crescimento vai embora espontaneamente com o tempo – quando não associada a nenhuma patologia orgânica séria, desaparece em até 24 meses após o início. E, o que é melhor, sem deixar sequelas. Apenas uma vaga lembrança.
“Meus dois filhos passaram por isso quando estavam na faixa dos 5 anos”, conta a psicóloga Denise Mandelman, 48, mãe de Allan, 19, e Sharon, 16. Ela própria sofreu de dor do crescimento na infância, por isso, logo desconfiou. “Por indicação do pediatra, que fez o diagnóstico e me tranquilizou, eu dava a eles um analgésico e pronto.
O problema não interferia em suas atividades e eles se desenvolveram normalmente. No entanto, me pergunto se isso afetou o crescimento, já que não somos pessoas muito altas hoje em dia”, questiona Denise. Mas até hoje nenhum estudo comprovou essa relação. Então, pais
e mães, é só ter paciência, que vai ficar tudo bem.