Se há 11 anos a advogada Elisangela Viana tivesse tido acesso a informações sobre os riscos das próteses mamárias, certamente o rumo da história dela poderia ter sido outro. Aos 47 anos, ela faz parte de uma estatística que atualmente é pouco comentada: o número de remoções de implantes de mama aumentou 33% no Brasil.
Para se ter ideia, em 2018 foram 14,6 mil cirurgias de explantes. No ano seguinte, registrou-se 19,4 mil. Os dados são da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica e os últimos disponíveis até agora. Ainda assim, somos, à frente dos Estados Unidos, o país que mais realiza cirurgias plásticas no mundo, sendo o implante de silicone a cirurgia que lidera o ranking.
Números à parte, a crescente procura pelos explantes das próteses tem uma razão e representa um movimento que cada dia mais vem ganhando força entre as mulheres que compartilham relatos e informações sobre a Doença do Silicone e a Síndrome Asia nas redes sociais. Foi assim que Elisangela, de São Paulo, depois de uma árdua jornada sem sucesso em busca de um diagnóstico, chegou a um vídeo esclarecedor. Depois, decidiu buscar um especialista e retirar as próteses mamárias para reconquistar a saúde. No passado, ela recorreu ao implante de silicone depois de realizar cirurgia bariátrica.
“Passei por inúmeros profissionais e nenhum identificou que poderia ser a questão das próteses. Foram muitos exames, diagnósticos e tratamentos, todos em vão. Sentia dores fortes nas articulações, taquicardia, insônia, cansaço excessivo, falta de ar, queda de cabelo e outros incontáveis sintomas. Todo dia era algo diferente. A minha vida parou. Foi então que, assistindo a um vídeo, me identifiquei e fui buscar ajuda”, contou Elisangela, que também desenvolveu uma doença autoimune, ao que tudo indica, também desencadeada pelo implante das próteses de silicone.
“Recentemente fui diagnosticada com Espondilite Anquilosante. Nos últimos meses, eu já não conseguia sequer levantar da cama de dor”, completou.
Conectadas
Assim como a advogada teve acesso ao vídeo que foi um bálsamo de esperança, ela, morando em São Paulo, também chegou, por meio da internet, à cirurgiã plástica Fabiana Catherino, de Taubaté, que também sofreu por quase dois anos com a Doença do Silicone e a Síndrome Asia. A primeira causada pela toxicidade do silicone e a segunda por resposta autoimune do organismo, sendo os implantes o gatilho.
Para a médica, o explante foi um divisor de águas, o que a motivou a expor a sua história e a oferecer tratamento humanizado para ajudar outras mulheres que vivem o mesmo drama. A partir daí, ela idealizou um site sobre o assunto e também tomou a decisão de não oferecer mais em seu consultório as cirurgias de implantes mamários.
“Quando tive certeza que tinha melhorado de verdade, resolvi falar sobre isso. Só que eu paguei um preço muito alto para ir à internet e dizer: eu sou a cirurgiã plástica que fala sobre a Doença do Silicone. Minha família ficou preocupada de eu me expor. Falei: entendam uma coisa, não quero que ninguém passe pelo que eu passei. Quero que as pessoas tenham acesso a um profissional que entenda sobre isso. Porque eu sofri demais, perdi vida, perdi de estar em muitos momentos com a minha família”, argumentou Fabiana Catherino.
Considerando que a Doença do Silicone ainda não é reconhecida pela OMS (Organização Mundial da Saúde), dá para imaginar a amplitude que a cirurgiã plástica alcançou com a própria história. Para se ter ideia, Catherino passou a ser requisitada por pacientes vindas de diversos lugares do mundo, como Ásia, Europa e América do Norte, que buscavam sem sucesso por acolhimento e diagnóstico.
“Depois de quase morrer por um par de próteses, você começa perceber o outro de maneira diferente. Quando recebo uma paciente que ainda não sabe se o problema que ela tem é por conta dos implantes, eu a escuto. Nós temos que escutar as pessoas. Se a pessoa chegou até mim, ela precisa de ajuda”, disse Fabiana, ao relembrar tristes episódios que vivenciou buscando tratamento médico.
“Com tantas alterações clínicas, procurei ajuda com muitos profissionais, de diversas especialidades, e chegava-se ao mesmo ponto: você é ansiosa, precisa de terapia e de tratamento psiquiátrico. Quando tinha uma queixa, era tratada por parte do corpo, porque as pessoas compartimentam a gente, sendo que o corpo funciona de maneira integrada. É por isso que as mulheres se sentem desorientadas, desacolhidas e o principal: sem diagnóstico”, acrescentou.
É impossível listar todos os sintomas que Fabiana Catherino teve até se dar o diagnóstico da Doença do Silicone e da Síndrome Asia. A lista tem 43 problemas de saúde. “Tive reações graves, passei de especialista em especialista, mandei exame para o exterior, fiz ressonância do corpo inteiro. Os médicos me falavam que essa doença não existia ou que meu quadro clínico não era compatível com ela. Fiz terapia, fiz uso das medicações psiquiátricas conforme orientado e eu só piorava e a dose da medicação só aumentava. Chegou num ponto que eu me dei o diagnóstico. E em 48 horas, eu estava no centro cirúrgico sendo explantada”, relembrou.
Busca por saúde
Elisangela Viana tomou a mesma decisão. No dia 21 de outubro de 2021, ela realizou uma cirurgia para retirar as próteses mamárias. Não bastasse todo o sofrimento acumulado ao longo dos últimos 11 anos, ela teve complicações no explante e, nas primeiras semanas deste ano, precisou encarar novamente o centro cirúrgico para tratar seromas de repetições, que é a junção de líquido nas mamas e remoção de uma segunda cápsula formada pelo seroma. Desde o diagnóstico da doença, ela tem sido acompanhada pela médica Fabiana Catherino.
“Após o explante, muitas mulheres têm diagnósticos mais chocantes que o meu como a descoberta de um tumor. É preciso que as mulheres saibam de todos os riscos e de todas as doenças antes de tomarem a decisão de colocar próteses”, afirmou Elisangela.
A cirurgiã plástica vai além. Reforça que a mama tem uma simbologia muito forte para as mulheres e que, portanto, não se trata apenas de uma questão física. É por isso que o explante de próteses transcende o pós-operatório e requer um acompanhamento humano e empático, porque todo o processo afeta fortemente a questão emocional e psicológica. “É um gatilho para toda a simbologia que vem de poder, maturidade, sensualidade e maternidade a que as mamas estão como referência no subconsciente de todas nós mulheres. Às vezes, atendo pacientes muito doentes que não aceitam que precisam tirar a prótese ou ainda que têm a não aceitação de um companheiro que as apoiem na decisão. É um trabalho intenso e difícil”, contou.
Recomeço
Focada na recuperação e no objetivo de auxiliar outras mulheres a partir da sua história de vida, Elisangela afirma que contar com a empatia e o acompanhamento de Catherino é um privilégio. Como ela mesmo gosta de dizer, a médica é “um anjo” que Deus colocou na vida dela. Recuperando a saúde e a qualidade de vida, o desejo é retomar às atividades simples do dia a dia e se dedicar a um concurso público.
“Há uma cobrança muito grande em cima das mulheres, que é a questão dos padrões de beleza. Agora a decisão é essa: não vou me agredir, é isso que eu tenho, esse é o meu corpo e eu tenho que me aceitar. Façam escolhas conscientes, busquem saber o que as próteses podem ocasionar. Acreditem no que nós, que passamos por todo esse sofrimento, temos para compartilhar”, disse Elisangela.
No Brasil, a Doença do Silicone e a Síndrome Asia ainda são desconhecidas para muitos profissionais da área da saúde, em virtude da ausência de reconhecimento pelos órgãos nacionais. Logo, as mulheres que enfrentam este drama, muitas vezes, encontram acolhimento e informação somente no relato de outras que já enfrentaram a mesma situação.
O assunto é tão sério que nos Estados Unidos, por exemplo, a agência reguladora FDA (Food & Drug Administration) determinou em agosto de 2020 que as embalagens das próteses contenham uma etiqueta preta de advertência, semelhante ao que temos nas embalagens de cigarro, avisando sobre o risco de câncer e de outras doenças.
Por aqui, só nos resta desejar que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tome com urgência a medida como exemplo para conscientizar e poupar que mais mulheres como a Catherino e a Elisangela passem por tamanho sofrimento.
Fonte: O Vale.