“O CNS recomenda ao Ministério da Saúde, às Secretarias Estaduais de Saúde e às Secretarias Municipais de Saúde que procedam à requisição de leitos privados, quando n
ecessário, e sua regulação única a fim de garantir atendimento igualitário durante a pandemia”, diz o texto.
O CNS é formado por 48 conselheiros, incluindo representantes de profissionais de saúde, cientistas, governo e usuários do SUS (Sistema Único de Saúde).
Como na fila de transplante de órgãos
O Conselho cita as experiências recentes na Europa para justificar a medida. “França, Espanha, Itália, Irlanda e Austrália decidiram implantar, em caráter emergencial, a gestão unificada dos leitos públicos e privados.”
A ideia é que o Ministério da Saúde assuma a coordenação nacional dos leitos hospitalares de propriedade particular, “regulando o acesso segundo as prioridades sanitárias de cada caso”. O mesmo caberia às secretarias estaduais e municipais desde que haja “insuficiência de recursos” públicos para “o enfrentamento da emergência de saúde”.
O modelo seria o mesmo utilizado no Brasil para o transplante de órgãos, que respeita fila única independentemente se o procedimento é realizado no SUS ou na assistência privada. “A expertise brasileira acumulada na regulação de transplantes pode ser expandida e adaptada para a realidade da Covid-19”, diz o texto.
Ao final da pandemia, os hospitais particulares receberiam os leitos de volta e uma indenização “em caso de dano”. Para isso, o CNS cita o art. 5º, inciso 25 da Constituição, que “prevê a possibilidade, no caso de iminente perigo público, da autoridade competente usar propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, em caso de dano”.
Esse artigo seria utilizado se o estado tiver equipe de saúde e só precisar da estrutura privada. Mas se estados e municípios precisarem do leito, dos insumos e de equipe de profissionais de saúde, haveria uma indenização negociada pelo uso, segundo a Lei do SUS (8.080/90), cujo art. 15 obriga a indenização ao proprietário.
O mesmo afirma o Art. 3º, inciso 7, da Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, “que cria nova hipótese de requisição pública, específica para fazer o enfrentamento à pandemia, e autoriza qualquer ente federado a lançar mão da requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa”.
Hospitais privados estão “mais vazios”
O Conselho relacionou uma série de justificativas para sua recomendação. Uma delas é a de que “o distanciamento social ainda não atingiu 70% da população nas cidades”, percentual necessário para “reduzir o número de óbitos”. Além disso, “o pico máximo da pandemia ainda não foi atingido”.
Os conselheiros citam os leitos em terapia intensiva de Manaus e Fortaleza, “já 100% ocupados”, e um estudo para afirmar que “o SUS não disporá de suficiente capacidade de atendimento aos pacientes de covid-19 que demandem cuidados intensivos”.
Ainda de acordo com o CNS, “os hospitais privados durante a epidemia encontram-se mais vazios, inclusive tendo solicitado autorização à ANS [Agência Nacional de Saúde] para voltarem a realizar cirurgias eletivas”.
O conselho escreve sobre “a nítida concentração de recursos assistenciais na esfera privada e nas regiões, estados, cidades e até em bairros nos quais habitam ou circulam segmentos populacionais mais ricos, e que mesmo em áreas onde há abundância de serviços de saúde e hospitais, barreiras de acesso são definidas pela capacidade de pagamento”.
Independência de estados e municípios
Para os conselheiros, governadores e prefeitos podem solicitar os leitos privados mesmo que o Ministério da Saúde rejeite a medida. O artigo 198 da Constituição diz que “as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada”, cuja diretriz inclui “descentralização, com direção única em cada esfera de governo”.
No começo do mês, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski concluiu que a decisão de utilizar leitos hospitalares cabe ao Poder Executivo. Na ocasião, ele negou pedido feito pelo PSOL para que o poder público regule os leitos dos hospitais privados ao alegar que qualquer decisão do Supremo “vulneraria frontalmente o princípio de separação dos poderes” ao substituir o Executivo na “tomada de decisões de cunho político-administrativo”.