Curso conduzido por geneticista do Instituto D´Or ensina as ferramentas para lidar com a vida pós-pandemia
RIO —Pandemia de Covid-19, desastre de Petrópolis, guerra na Ucrânia. Quando o mundo parece se desfazer sob os nossos pés e tudo o que resta é a incerteza, a melhor proteção pode estar dentro de nós mesmos. Resiliência, a preciosa capacidade de enfrentar e superar o estresse de tempos difíceis, está ligada à compaixão não apenas pelos outros, mas por si próprio mostram estudos de neurociência.
Foi a investigação das bases biológicas da compaixão e da resiliência que mudou a vida do geneticista Marcelo Bento Soares, chefe do Departamento de Biologia do Câncer e Farmacologia e diretor de pesquisa da Escola de Medicina da Universidade de Illinois, no campus de Peoria, nos EUA.
Respeitado por seu trabalho sobre os aspectos moleculares do câncer, Soares hoje também é instrutor sênior de Treinamento da Compaixão Baseado em Cognição (conhecido pela sigla em inglês CBCT) da Universidade de Emory.
No Brasil, ele ministrará em maio, no Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), o curso de extensão “Compaixão, resiliência e inteligência emocional”, não apenas para médicos, mas também para executivos e lideranças de outras áreas. Já treinou de policiais e professores da rede pública dos EUA à liderança da Fundação Dom Cabral, em Minas Gerais.
Dramas pessoais levaram Soares a buscar formas de aumentar a resiliência. Não apenas a dele próprio, mas de médicos e estudantes de medicina. Tanto a primeira quanto a segunda esposa de Soares morreram justamente de câncer. Mas foi a postura dos médicos que trataram delas que o motivou.
Quando a primeira mulher de Soares estava em seus momentos finais, o oncologista que tratava dela se desligou e saiu de cena. Soares se casou de novo. E viu o drama se repetir. O especialista que acompanhava o caso há cinco anos e até então havia sido uma presença positiva não aguentou e também se distanciou.
— Nesse momento, ficou claro o sofrimento do médico. Eles são formados para salvar vidas e muitos não sabem como lidar com as perdas. Quando minha segunda esposa faleceu, era evidente o sentimento de fracasso do médico dela. Isso leva ao distanciamento emocional e até ao esgotamento — diz Soares.
Foi quando se tornou diretor de pesquisa médica do campus de Peoria da Universidade de Illinois que Soares viu a oportunidade de desenvolver programas educacionais de que contemplassem o ensino da neurociência da empatia e da compaixão.
Desde os anos 2000 uma série de estudos têm demonstrado que as áreas cerebrais associadas à autocompaixão e à compaixão também estão relacionadas às chamadas emoções positivas, um termo guarda-chuva para aquilo que costumamos chamar de bem-estar. E almejada resiliência é um componente do bem-estar, uma forma de reagir de acordo com a magnitude de uma situação.
Algumas pessoas reagem melhor do que outras quando submetidas ao estresse. Porém, assegura Soares, os elementos essenciais para o bem-estar emocional são treináveis, podem ser aprendidos.
— Todos temos músculos, mas ninguém se torna atleta sem treiná-los, como diz o professor de psiquiatria da Universidade da Califórnia, Dan Siegel. O mesmo acontece com o cérebro. Os elementos do bem-estar são orquestrados por redes de neurônios que têm plasticidade para mudar — diz o cientista.
Fatores essenciais
Segundo ele, quatro fatores são essenciais para alcançar o bem-estar e à resiliência. O primeiro é a atenção, a capacidade de manter o foco numa situação. O segundo é a conexão, habilidade que nos permite sentir compaixão e gratidão. O terceiro é o discernimento, a capacidade de não se limitar a um fato em si, mas reconhecer e avaliar outros fatores associados a ele. É essa habilidade que nos ajuda a entender e aceitar as próprias falhas. Propósito é o quarto elemento. Ter propósito, diz Soares, é criar uma meta, um norte definido para seguir em frente.
— Todos esses elementos combinados nos fortalecem. Algumas pessoas agirão naturalmente de forma mais resiliente, mas todas podem aprender a lidar melhor com situações difíceis — afirma Soares.
A neurociência já mostrou que empatia e compaixão não são a mesma coisa. Empatia é instinto. Compaixão é consciência.
Empatizar é sentir o que o outro sente. O ser humano possui “neurônios-espelho”, que nos dão essa capacidade. Ela é uma capacidade de sobrevivência, que nos ajuda a perceber e sentir emoções tanto positivas quanto negativas. Medo, por exemplo, que pode indicar perigo iminente.
Mas o que é um mecanismo de sobrevivência pode se tornar tortura em determinadas situações. Por exemplo, um profissional de saúde que trabalha com pacientes terminais vive em dor crônica.
— Ignorar e se distanciar não resolve, porque o cérebro capta a sensação e ela acaba por incomodar do mesmo jeito — explica Soares.
A empatia é fundamental para a compaixão. Mas esta é ainda mais complexa. Ela implica na consciência da dor do outro e na capacidade de se colocar no lugar dele e sentir que algo precisa ser feito para aliviar o sofrimento.
A neurociência também já mostrou que as regiões cerebrais associadas às sensações de recompensa e motivação são ativadas quando sentimos compaixão.
A compaixão não se aplica apenas aos outros, mas a nós mesmos, salienta o pesquisador. Ela é extremamente necessária para atravessar o tempo de perdas que atravessamos, sejam elas de pessoas, patrimônio, lugares, convicções e visões de mundo.
— A autocompaixão é fundamental inclusive para que possamos sentir compaixão. O problema é que essa capacidade tão importante é muito mal compreendida e confundida com fraqueza e autoindulgência. Na verdade, ela passa pelo entendimento de que todos somos vulneráveis, sujeitos a falhas, que nem sempre temos o poder de mudar as coisas, mas podemos mudar a nós mesmos — enfatiza Soares.
De acordo com ele, sentir autocompaixão é ter consciência das próprias dores e mudar para aliviá-las. Mas para isso é preciso compreensão e amor próprio.
— Ter autocompaixão é se tratar com carinho, se considerar o seu meu melhor amigo, ter autocuidado e motivação. Para ter compaixão dos outros é preciso começar conosco — diz ele.
Emoções como raiva e medo costumam ter por trás emoções mais frágeis, como culpa, ressentimento e vergonha.
— No fundo, é tudo uma questão de ser aceito, de ser amado. A autocompaixão reconhece isso e talvez nos proporcione o que gostaríamos de ouvir dos outros — acrescenta.
Soares explica que a resiliência nada mais é do que a capacidade de reconhecer e agir para sobreviver a situações que nos ameacem.
— A ciência nos ensinou que evoluímos para a sobrevivência, não para a felicidade. Bem-estar não é alegria. Tristeza é normal em certas situações. O problema são as emoções negativas que se tornam crônicas, a depressão, a ansiedade — afirma o cientista.
Soares diz que o conhecimento gerado pelos estudos do cérebro pode ser aplicado em formas de alcançar o bem-estar. Ele diz que coisas simples contribuem para a autocompaixão. A primeira é lembrar das necessidades emocionais.
— Costumamos considerar a necessidade de comer, de ter onde morar e o que se vestir, mas precisamos amar e ser amados — diz.
A segunda é refletir sobre a forma como nos enxergamos, sentir respeito e carinho por si mesmo. A terceira é ter consciência da vulnerabilidade, porque ser vulnerável é ser humano.
— Não somos culpados por nossas fraquezas, mas somos responsáveis por nosso comportamento. A neurociência nos ajuda a compreender melhor como agimos e como podemos melhorar — acrescenta.