A Comissão de Defesa do Consumidor (CDC) da Câmara dos Deputados promoveu, na quarta-feira (15), audiência pública sobre o cancelamento unilateral dos planos de saúde pelas operadoras. O debate foi sugerido pelos deputados Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) e Fabio Schiochet (União-SC).
Jeber Juabre Junior, Superintendente Jurídico e de Relações Institucionais e Governamentais da Unimed do Brasil (Confederação Nacional das Cooperativas Médicas), apresentou dados, destacando que o sistema Unimed em 2023 entregou ao Brasil mais de 631 milhões de consultas e procedimentos. 109 milhões de consultas desses 631 milhões de procedimentos cobertos, 417 milhões de exames complementares, 74 milhões de consultas e sessões com psicólogo, fonoaudiólogo, terapeutas ocupacionais, 3,4 milhões de internações hospitalares.
Para ele, esse setor que é resiliente gastou no ano passado R$87 bilhões de reais com designação direta a médicos, clínicas, laboratórios e despesas de atendimentos de saúde. “O resultado da operação de planos privados de saúde no ano de 2023 foi de R$3 bilhões de reais positivos contra um prejuízo operacional no mesmo ano de quase R$6 bilhões de reais, isso significa que a operação de plano de saúde, a entrega de saúde efetiva para o usuário deu um prejuízo para as operadoras da ordem de R$6 bilhões de reais. O que causou esse eventual recurso de R$3 bilhões como um resultado do setor, são as aplicações financeiras nas reservas técnicas obrigatórias da Agência Nacional, portanto há um prejuízo operacional na operação de planos, o custo da saúde é caríssimo e a sustentabilidade desse setor é extremamente preocupante e necessária para a entrega efetiva da saúde”, enfatizou. Finalizou dizendo que entre 2020 até o momento, o sistema Unimed construiu 22 novos hospitais para entregar qualidade de saúde. Ressaltou a necessidade da sustentabilidade, do equilíbrio, do resultado operacional para poder fazer esse investimento.
Alexandre Catanzaro Saltari, Superintendente Jurídico da Unimed Nacional, disse que o compromisso da Unimed como papel de uma operadora de segundo grau, de uma cooperativa de segundo grau dentro do sistema Unimed é garantir a presença desse sistema nos mercados de saúde suplementar de todo Brasil cuidando das pessoas, das empresas e apoiando o sistema cooperativista. Sobre o tema da audiência, ele destacou que essa é a última atitude de gestão nas carteiras, o cancelamento assim como as novas contratações fazem parte da operação dos planos de saúde. “O controle e a sustentabilidade dessas carteiras, do plano de saúde é uma exigência inclusive do órgão regular”, destacou.
Segundo ele, esses cancelamentos estão previstos na RN 577 e 509. “Todos esses cancelamentos da Unimed Nacional que foram trazidos para a audiência pública são contratos de pessoas jurídicas, de coletivos empresariais e coletivos por adesão, e todos esses cancelamentos foram realizados em conformidade com a legislação e o que está previsto em contrato, que diz que o cancelamento só pode ser feito posterior a vigência mínima de 12 meses e com 60 dias de aviso às empresas contratantes. E não fizemos nenhum cancelamento de pessoas físicas, grupos familiares ou individuais”, enfatizou.
Para Vitor Hugo do Amaral Ferreira, Diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (Senacon), o tema que envolve a questão da saúde é não só caro, essencial, mas prioritário para Secretaria Nacional do Consumidor. “Quando falamos de código de defesa do consumidor, às relações contratuais precisam se estabelecerem a partir do equilíbrio, a partir da harmonia das relações de consumo E como nós temos uma relação contratual que não é em regra harmônica, que não é em regra equilibrada, aqui nós temos uma premissa da própria Constituição Federal, um tratamento igual, criar igualdade, estabelecer igualdade a partir da Lei”, destacou.
Ele ressaltou que a essência da Defesa do Consumidor é reconhecer que estamos diante de um sujeito vulnerável, é reconhecer que a relação de consumo, ela tem entre o consumidor e o fornecer uma relação de desigualdade. “Quando se fala de saúde, eu gostaria que nós tivéssemos aqui como premissa, e enaltecer os princípios do Código de Defesa do Consumidor. Quando se fala de planos de saúde, quando se fala da oferta de serviço que presta justamente atendimento aquilo que é mais caro ao consumidor, nós precisamos não só ficarmos atentos, mas ter vigilância da forma como esse serviço é prestado”, disse. Para ele, a resolução da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que permite a rescisão unilateral não pode ser superior à legislação de defesa do consumidor.
Segundo Robson Campos, do Procon, o Procon de São Paulo constatou um aumento de 85% entre abril e maio deste ano nas reclamações de consumidores em relação a cancelamentos unilaterais de contratos de planos de saúde por parte das empresas. Disse ainda, que são noticiados cancelamentos de planos de idosos, de pessoas autistas e de pessoas com doenças raras. “Simplesmente cancelam esses contratos, muitas vezes por um e-mail. No meio de um tratamento de um câncer, no meio de tratamentos extremamente necessários. E o que ocorre? Agravamento da doença, endividamento das famílias que estão no desespero e acabam contratando crédito para fazer o custeio particular”, contou. Segundo ele, os consumidores de planos de saúde são muito vulneráveis e precisam de proteção. Ele sugeriu alterações na Lei dos Planos de Saúde para não permitir rescisões unilaterais em planos coletivos empresariais ou por adesão.
Karine Terra de Azeredo Vasconcelos, Subcoordenadora de tutela coletiva do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro – Nudecon – RJ, disse que notou um aumento muito grande da demanda na Defensoria com relação a estes cancelamentos, com efeito atualmente a ausência de regulação deixar por conta dos contratos essa possibilidade de rescisão unilateral, sem que haja participação do consumidor, está deixando o consumidor efetivamente desprotegido, o que vem de encontro aos comandos constitucionais de proteção do consumidor e também do Código de Defesa do Consumidor, das regras protetivas de quem se encontra tão vulnerável nessa relação contratual. “Ter em mente que saúde, que é o tema que é tratado aqui, não é uma simples mercadoria, não é um artigo de luxo e dessa forma não pode ser tratado pelas operadoras de plano de saúde. Essa forma de se poder rescindir o contrato sem que haja uma proteção efetiva do consumidor tem gerado muitos prejuízos e acarretado um aumento de ajuizamento de ações”, completou.
Para ela, essa necessidade de haver uma regulamentação via legislativo é de extrema importância. “Podemos perceber é, que hoje deixar para que não sejam regulamentados pelos contratos ou pela ANS não está sendo efetiva, suficientemente efetiva para proteger o direito do consumidor. Então, o que a Nudecon vem sugerir é que haja esta regulamentação. Este parâmetro para que se torne de uma forma mais equilibrada possível e mais próxima da relação e da proteção que existe nos planos individuais”, enfatizou.
Marcos Novais, Superintendente Executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde, explicou que as operadoras apresentaram resultado negativo de R$ 17 bilhões nos últimos três anos e estão buscando o equilíbrio de suas contas. Segundo ele, entre 2022 e 2023, a ANS encerrou a operação de 138 empresas por falta de sustentabilidade financeira. “Talvez isso desencadeou, nos últimos anos, muito por conta dos custos médicos que estão muito altos e os preços do plano que estão acompanhando para poder se tornar esse sistema solvente”, disse.
Ele criticou a rápida incorporação de medicamentos caros como o Zolgensma, para atrofia muscular espinhal, que custa cerca de R$ 10 milhões. Ele disse que 379 operadoras faturam menos de R$ 7 milhões por mês. “A gente não tem nenhum protocolo ou diretriz para tratamento das terapias, inclusive a terapia do Transtorno do Espectro Autista, dessa condição tão importante. Para longe disso. A gente recebe pedidos de 120 sessões por semana’, destacou.
Cesar Sergio Cardim Junior, Superintendente de Regulação da Federação Nacional de Saúde Suplementar – FenaSaúde, disse que atualmente as operadoras geram em torno de 5 milhões de empregos e movimentam em torno de 3% do PIB. “Isso mostra a importância desse setor para a saúde do brasileiro”, destacou.
Segundo ele, a rescisão unilateral é uma possibilidade prevista nos contratos coletivos e nas regras setoriais definidas pela ANS, as regras são diferentes para os planos individuais e para os planos coletivos. “Então, dentro do plano individual, o contrato só pode ser rescindido em duas hipóteses por parte da operadora, quando há fraude por parte do beneficiário ou em caso de inadimplência, como todos os senhores sabem, inadimplência superior a 60 dias, consecutivos ou não, como está previsto na lei, no período de 12 meses, sendo que dentro do rito regulatório, ele é notificado com 10 dias para que seja efetivada a rescisão e nesse contato ele pode regularizar ou não o seu débito. Nas hipóteses de rescisão contratual de caráter coletivo, a rescisão e suspensão de contato devem essencialmente seguir as previsões contratuais,
que são definidas entre a operadora e a pessoa jurídica contratada. Então, é importante deixar bem claro aqui para os senhores que nos contratos coletivos a rescisão é permitida”, explicou. Ele salientou ainda que, quando acontecem as decisões, elas não são feitas criteriosamente conforme está previsto em lei e nas normas definidas pelo órgão regulador. Elas não são feitas, jamais são feitas de maneira discricionária, discriminatória ou com algum intuito de restringir o acesso dessas pessoas a tratamentos. “Nosso principal propósito é manter os beneficiados de plantas de saúde com seus direitos garantidos”, finalizou.
Carla Figueiredo Soares, Diretora-Adjunta da Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos (DIPRO) da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, disse que a Lei dos Planos de Saúde proíbe apenas o cancelamento unilateral de contratos individuais. A diretora esclareceu que as empresas não podem selecionar consumidores específicos que terão planos cancelados, mas apenas contratos inteiros. Segundo Carla, deve ser respeitado o prazo mínimo de 12 meses de contrato para o cancelamento. Além disso, devem ser garantidos os tratamentos em curso. “O contrato pode ser rescindido, mas os beneficiários em internação devem permanecer o seu atendimento até auto hospitalar, e como já foi dito aqui também os procedimentos continuados de doenças graves”, destacou.
De acordo com ela, pelo sistema de informação de beneficiários, foram 1.195.475 cancelamentos em março de 2023 e em março de 2024 foram 1.064.000 cancelamentos. Em contrapartida, tivemos ingressos 1.357.000 novos entrantes no mercado em março de 2023 e 1.217.000 em março de 2024. “A proporção entre as adesões e os cancelamentos só ficou negativa em janeiro de 2024, quando nós tivemos menos adesões relativas aos cancelamentos dos indivíduos. E os motivos de cancelamento que constam no nosso sistema são vários, desligamento da empresa, cancelamento a pedido do beneficiário, inadimplência, óbito, transferência de carteira, inclusão indevida, fraude ou portabilidade carências. E vamos aí para o desligamento da empresa, que é a rescisão do contrato. Então, também fizemos o levantamento desses números e os planos coletivos por adesão. Nós percebemos aí também um comportamento equânime em relação a esses desligamentos por motivos de desligamento. O coletivo empresarial é um número mais expressivo, por óbvio, porque está ligado à relação de emprego e ao vínculo empregatício. Então, a proporção de cancelamentos por desligamento da empresa em relação ao total de cancelamentos por todos aqueles outros motivos está na última coluna e ela gravita em torno de 85 a 95%”, explicou.
Lucas Andrietta, Coordenador do Programa de Saúde do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), ressaltou que essa é uma disputa já bastante antiga, bastante conhecida, que o IDEC participou ativamente tanto da criação do código de defesa do consumidor e também da lei de planos de saúde. “Essa é uma causa muito cara, a defesa do consumidor nesse âmbito da saúde é uma causa muito cara para o IDEC. E nesse sentido a entidade tem se dedicado tanto a defender avanços nesse campo quanto a impedir retrocessos, acho que isso é muito importante”, destacou.
Para ele, a quantidade mensal de reclamações aumentou quatro vezes nos últimos dez anos. Só em dezembro de 2023 foram quase duas mil reclamações, só nessa categoria de suspensão e rescisão de contratos. Outros dados secundários que nós temos dizem respeito à tão relevante e tão discutida judicialização, que é sempre lembrada no sentido de restringir direitos. “Eu queria enfatizar que, para o IDEC, nós temos muita clareza que é direito das pessoas buscar a justiça e que o grande volume de ações judiciais contra planos de saúde não é espontâneo, não se alinha a nenhum interesse do consumidor, não lhe traz nenhum benefício. Aliás, muito pelo contrário. São exatamente práticas das próprias operadoras que dão causa a essas demandas judiciais, práticas que o cancelamento unilateral e motivado ilustra perfeitamente bem’, completou.
Para Hilton de Araújo Mello, procurador, representando o Ministério Público Federal, o constituinte colocou de forma expressa que a saúde, assim como a educação, por exemplo, seriam segmentos econômicos e sociais que estariam sujeitos à iniciativa privada. Segundo ele, foi permitido à iniciativa privada que colaborasse com um propósito constitucional, que é garantir acesso à saúde, ao brasileiro como de um modo geral. “Tem o SUS, que é um experimento no planeta fantástico de subsídios e valores importantíssimos, e nós temos a nossa saúde suplementar. Com o sectário desse mandamento constitucional veio depois a nossa lei de planos de saúde, que estabeleceu, sim, a expressão é essa, especialmente para aqueles que são mais adeptos do direito, é dirigismo contratual, porque existe uma política pública que essa casa, assim como o Executivo, assim como o Estado brasileiro de forma geral, decidiu em busca de um propósito que é fazer com que o brasileiro tenha acesso, e fez isso depois com a lei que criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar”, disse.
Para ele, no Brasil não tem um produto saúde disponível para o livre-mercado. No Brasil não tem uma estrutura onde a pactuação é livre entre as partes, de forma irrefreada, como em tantos outros segmentos a gente poderia chamar. “Nós temos, sim, uma estrutura dirigista, e não à toa a lei que criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar colocou que é um dos deveres da agência tratar inclusive de cláusulas gerais dos contratos. O que não é mais importante dentro de cláusulas gerais do contrato do que definir condições como o termo final possível de rescisão, as condições de oferecimento deste serviço? O papel do Estado tem, sim, uma importante e relevante missão na condução dessa regulação, que não é apenas uma regulação econômica, mas uma regulação social, porque existe um produto a ser alcançado quando se entrega para o mercado a possibilidade de explorar esse tipo de atividade. E é um mercado complexo”, enfatizou. ”Não estamos aqui a defender exatamente números. Nós estamos aqui para defender um valor. E o valor aqui que nós estamos falando é da vida humana e da saúde humana. Então não podemos esquecer dessa matriz que orienta tudo isso”, acrescentou.
Parlamentares
O deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) disse que aquele que deveria oferecer conforto e tranquilidade vem sendo a causa de ansiedade e sofrimento para as pessoas que necessitam de atendimento e seus familiares. “É inadmissível saber que pacientes com câncer e crianças com autismo vem tendo seus planos de saúde cancelados de forma unilateral pelas operadoras’, destacou. Disse ainda que está coletando assinaturas para uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre os abusos dos planos de saúde em relação aos consumidores.
A deputada Gisela Simona (UNIÃO-MT), disse que infelizmente existe falha na prestação de serviços de plano de saúde e falhas graves. “O número de planos de saúde hoje são muito pequenos, o que inviabiliza, o que dificulta a seleção do consumidor por algo que possa ser mais barato, por algo que tenha mais qualidade. Então, isso são situações também muito graves, que deve ser um apontamento para a regulação”, destacou.
O deputado Paulão (PT-AL), reforçou e pediu, que a ANS cumpra seu papel. “Se tem uma legislação, a ANS cumpra, coloca em prática, não basta só fazer discussão do óbvio que está errado e tem uma legislação para cumprir”, disse.
Para o deputado Celso Russomanno (Republicanos-SP), é preciso investigar como os planos de saúde dão prejuízo enquanto os hospitais vinculados a eles dão lucro.
Segundo o deputado Duarte (PSB-MA), as pessoas contratam um plano de saúde desejando não usar, as pessoas fazem o seguro de um carro não para bater o carro, mas para ter um mínimo de segurança, para ter o mínimo de condições de que, se precisar, vai ser bem atendido, não vai sofrer nenhum tipo de transtorno. “E hoje o que está acontecendo é muito mais do que uma ilegalidade, vai além de uma imoralidade”, enfatizou.
Em seguida, o deputado Fabio Schiochet (União-SC), agradeceu a presença de todos e finalizou a reunião.