Pentear os cabelos, escovar os dentes ou segurar um copo com água. Atividades aparentemente simples, mas, para quem sofre com artrite, podem ser impossíveis de serem realizadas. Em abril de 2016, a estudante Thais de Almeida, 26, foi vítima da febre Chikungunya, período em que o país teve tríplice epidemia de vírus transmitidos pelo mosquito Aedes Aegypti. Mais de dois anos depois, as dores nas articulações permaneciam. “Surgiam e passavam com uso de antibióticos, só que se tornaram frequentes entre outubro e dezembro de 2018 e nenhuma medicação fazia efeito”, relatou.
Sem suportar mais a dor e com as atividades cotidianas limitadas, Thais decidiu procurar um reumatologista. O tratamento medicamentoso é à base de metotrexato e ácido fólico. “Do mais simples ‘escrever’, ao mais complexo ‘praticar atividades físicas’. Hoje consigo realizar tudo que durante o período de inflamação da chikungunya não realizava. Tudo melhorou”, descreveu.
A dona de casa Cecília de Luna, 51, viveu situação semelhante em junho deste ano. O diagnóstico de artrite veio após a Chikungunya. Ela viaja cerca de 127 km da cidade onde mora, Cajazeiras (PB) até Barbalha (CE) para realizar as consultas com o especialista. “Minha irmã, que mora em Juazeiro do Norte (CE) me acompanha. Sentia muita dor e inchaço nas juntas das mãos, na parte do meio dos dedos. Até a aliança tive que mandar cortar, pois, já não aguentava mais tanta dor”, narrou.
“Chorava porque não conseguia fazer as coisas, mas, com o tratamento, graças a Deus consigo fazer tudo, é uma benção. Melhorei das cãibras, não coloquei anel nem nada nas mãos ainda. Hoje busco ter mais atenção com a alimentação também. Ainda sinto um pouco de dor na mão direita, tomo remédio todo dia e tenho fé que ficarei boa, mas, estou muito bem em relação a antes”, destaca Cecília com otimismo.
Artrite Reumatoide x Artrite Crônica da Chikungunya
Segundo a Sociedade Brasileira de Reumatologia, SBR, a artrite reumatoide acomete 1% da população, cerca de 2,1 milhões de brasileiros. No Ceará, em torno de 91 mil pessoas teriam a doença, com base na estimativa populacional do IBGE em 2019: 9.132.078 habitantes. As mulheres são atingidas três vezes mais que os homens. O pintor francês, Pierre-Auguste Renoir, um dos maiores símbolos do movimento impressionista, tinha AR. A inflamação ataca as articulações, causando dor e inchaço e pode evoluir para outros órgãos, como coração, pulmão, olhos e vasos sanguíneos. E as deformidades limitam as atividades do dia-a-dia.
Estudos revelam que entre 30 e 40% dos pacientes que tiveram a febre Chikungunya têm apresentado doenças reumáticas autoimunes, como artrite, fibromialgia, lúpus e esclerodermia. “São duas fases da doença, na aguda, após cinco a seis dias da infecção começam a aparecer os sintomas: dor nas grandes articulações, punhos, mãos, joelhos, febre acima de 39º e dura cerca de 10 dias. Após três a quatro semanas, os sintomas podem se manifestar de forma leve na fase subaguda. Após três meses, já é crônica, porém, sem febre. A artrite reumatoide dificilmente apresenta febre”, esclareceu o reumatologista Kennedy Amaral.
Segundo o médico, a artrite crônica da Chikungunya se assemelha à artrite reumatoide no que diz respeito à sintomatologia e, portanto, deve ser tratada da mesma forma. No entanto, são classificadas separadamente devido ao agente causador. “Do ponto de vista acadêmico, não pode ser considerada como artrite reumatoide, porque para isso, não poderia haver outra causa clínica, infecciosa ou autoimune que explique aqueles sintomas, são critérios diagnósticos. A artrite reumatoide é uma doença que não tem uma causa conhecida, há vários vírus implicados”, explicou.
Para saber mais sobre artrite reumatoide , clique aqui e leia a cartilha da SBR .
Pesquisas no Brasil
Kennedy cursa o mestrado em Infectologia e Medicina Tropical na Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, e desenvolve pesquisas em parceria com universidades americanas e inglesas. É referência em artrite crônica da Chikungunya, atendendo pacientes do Ceará, Pernambuco, Paraíba e Piauí.
“Muito pouco se pesquisa sobre isso, esse ano publiquei o primeiro estudo no país. Em uma pequisa que realizei em 2017, já eram mais de 500 mil casos no país, cerca de 150 mil no Ceará e 55 mil em Pernambuco. E a primeira publicação em uma revista internacional partiu de um pesquisador independente. Aqui no Brasil caminha muito devagar, diferente da França, em que houve surto e mais da metade dos artigos são franceses. Um pesquisador da UFMG que estuda arbovírus e vacina da dengue se interessou pelo meu trabalho através de uma intermediação com os americanos”, avaliou.
“Uma doença que está lotando os consultórios dos reumatologistas. Os relatos vão desde divórcio até pacientes que não conseguem caminhar ou desabotoar um sutiã e chegam ao consultório chorando em uma cadeira de rodas. A Chikungunya não deve ser negligenciada. As pessoas ainda acreditam que em três anos vai passar, não passa ” – Kennedy Amaral, reumatologista.
No próximo ano, Kennedy publicará um capítulo em um livro e um novo trabalho no Jornal Americano de Medicina, traçando um paralelo entre a artrite da Chikungunya e a artrite reumatoide e a relação com outros vírus, como das hepatites B e C, implicados na patogenia da AR. “O que elas têm em comum é que não existe mais vírus na articulação. O que pode acontecer é um mimetismo molecular, que seria o corpo reagindo aquele vírus de forma errônea, não consegue diferenciar o que é próprio do corpo e o que é estranho, começa a se atacar, uma reação cruzada. O vírus seria um gatilho, o que reforço é que o tratamento seja semelhante, pois, é tão grave quanto”, destacou.
O médico concilia a prática da profissão com a pesquisa cientifica. “Nosso estudo que já está aprovado pelos comitês de ética da UFMG e da Universidade de Yale terá 50 pacientes usando metotrexato e 50 placebo durante 12 semanas. Eles serão avaliados com exames e algumas ferramentas de medição de dor e grau de incapacidade. Quem melhorou será acompanhado por mais três anos”, adiantou.
No ano passado, um projeto de Kennedy foi premiado pela International League of Association for Rheumatology (ILAR) e o American College of Rheumatology, com financiamento de U$ 20.000,00. “Se relacionava com educação e saúde na reumatologia. Abriram edital para propostas inovadoras e me inscrevi para divulgar minhas pesquisas no meio acadêmico e entre os médicos e escolas. É a principal instituição na nossa área, que reúne todas as ligas de reumatologia do mundo. Esse ano concorro para capacitar médicos a tratar doenças. O resultado sai este mês”, apontou.
Divulgação científica
Kennedy palestra em diversos locais e já publicou mais de 10 artigos em revistas de alto impacto. “Sou quem mais publica. Acredito que a de maior destaque foi uma sobre a patogênese da doença e como o medicamento age. E um artigo em que classifiquei 50 casos de artrite crônica da Chikungunya. Consegui me associar com o professor Robert Schoen, da Universidade de Yale, nos (EUA), especialista em artrite viral, Dr. Clifton Bingham, da Universidade Johns Hopkins, que é a maior referência em AR nos Estados Unidos, Dr. Thomas, da Califórnia, especialista em arbovírus e Chikungunya, Peter (Taylor) de Oxford, na Inglaterra, que é a maior autoridade de artrite reumatoide na Europa, e Mauro Teixeira, da UFMG”, elencou.
Diagnóstico
“Chikungunya é um termo de um dialeto da Tanzânia, que significa aquele que anda encurvado. O exame laboratorial elisa é um teste de anticorpos com resultado rápido para a fase aguda. Na fase crônica, o diagnóstico é quando há o histórico da doença e com mais de três meses de sintomas. Alguns pacientes desenvolvem uma forma debilitante, que pode ser temporária ou definitiva se não houver tratamento. Idosos, com artrose, hipertensão ou diabetes têm sintomas mais intensos. Um dos artigos que publiquei em uma revista internacional é o quanto pode ser incapacitante, tanto quanto artrose ou artrite reumatoide”, afirmou.
Tratamento
“Em 2020 fará quatro anos do surto de Chikungunya no Brasil e há pacientes que estão deformando como a artrite reumatoide deforma. É uma doença sistêmica, do corpo inteiro, precisa desinflamar. Por isso, minha primeira linha de pesquisa para o tratamento é o metotrexato, que é a droga padrão para AR. Acredito que quando chegarmos à cura da artrite, conseguimos muita coisa em termos de reumatologia, porque todas as doenças passam pelo mesmo padrão de autoimunidade”, indicou.
Prevenção
“Uma vez por semana tirar 10 minutos de limpeza do ambiente familiar para evitar a proliferação, quebrar o ciclo do Aedes Aegypti. Fiz palestras em colégios sobre a necessidade dessa higiene em casa. É a forma de prevenir a doença. Somos 210 milhões de habitantes, com o mosquito em todas as cidades, a incapacitação dos doentes faria um estrago imenso na economia. Foi feito um grande alerta em torno do zika vírus pela comoção, a gravidade do quadro da microcefalia, mas, a artrite crônica da Chikungunya acomete muito mais pessoas”, indicou.
A orientação para os infectados com a Chikungunya é repouso, ingestão de líquidos e analgésicos para que o organismo se recupere. “Após três meses, procurar um especialista imediatamente. O diagnóstico e tratamento precoce evitam que entre na fase deformante. É possível viver bem, em uma escala analógica de dor que vai de 0 a 10, geralmente, vêm próximo de 8. Os que conseguem chegar perto de 2 ou 1 conseguem viver normalmente”, informou.
Atividade física
“Na fase aguda é recomendado repouso, na crônica, quando o paciente apresenta melhora e consegue praticar algum tipo de atividade, estimulo. É comprovado que reduz os sintomas da doença reumática. É notável que é mais prevalente nas mulheres com mais de 45 anos, não sabemos se é algo hormonal”, concluiu.
Atendimento gratuito
Os ambulatórios de reumatologia da Universidade Federal do Cariri, UFCA, em Barbalha e da Faculdade de Medicina de Juazeiro, FMJ/Estácio realizam atendimentos gratuitos em suas unidades. Este ano, a Faculdade de Medicina, Famed, da UFCA, realizou 229 consultas reumatológicas.
Sem contato
A Secretaria da Saúde do Estado do Ceará foi procurada pela reportagem para informar quais unidades são referência no atendimento reumatológico no Cariri e sobre uma possível suspensão nas consultas realizadas na Policlínica de Barbalha, mas, até o fechamento desta matéria não houve retorno.
Panorama da Chikungunya
Segundo a Secretaria da Saúde do Ceará, no início de 2015 foi confirmada a transmissão do vírus Chikungunya no estado. “A febre Chikungunya é conhecida há vários séculos, os primeiros casos datam de 1800 na Ásia. No continente americano, foi detectada em 2013 e no Brasil em 2014. Seria uma doença nova aqui, há muito material escrito na Índia e na França”, complementou Kennedy.
Em 2019, o maior pico foi nos meses de abril e maio, que registraram 43% das notificações. Dos três municípios com as maiores incidências de casos confirmados no Ceará, dois estão no Cariri: Brejo Santo (227) e Mauriti (133,8), atrás apenas de Quixadá (236,1) no Sertão Central. A boa notícia é que dos 29 municípios que compõem a região, 21 deles não tiveram nenhum caso confirmado da doença até o dia 28 de setembro.
Mapa da infestação
Todos os 184 municípios cearenses realizaram o terceiro Levantamento Rápido de Índice para Aedes Aegypti, Liraa, neste ano. Nenhum município do Cariri apresentou alta infestação.
Impactos da artrite reumatoide: distúrbios do sono e depressão
Estudos apontam que pacientes com doença inflamatória tem humor e qualidade do sono prejudicados devido às dores e níveis aumentados de hormônios. De acordo com o estudo “Artrite reumatoide e qualidade do sono”, publicado pela Revista Brasileira de Reumatologia em 2017, 81,5% das pessoas acometidas pela doença não tem uma boa qualidade de sono, o que pode estar relacionado com outros problemas de saúde, como depressão e apneia do sono.
Os pesquisadores também trazem o dado do Annals of the New York Academy of Sciences, que arma que o nível da citocina TNF-α, relacionada à privação do sono, aumenta em pacientes com artrite reumatoide, interferindo na qualidade do descanso. Outros elementos do estudo apresentam a possibilidade de a qualidade do sono ser prejudicada devido às dores nas articulações e aos níveis aumentados de glicocorticoides.
A apneia do sono em pacientes com artrite reumatoide se apresenta como um problema multifatorial, possivelmente, decorrente de fatores como obstrução devido ao aumento da circunferência do pescoço causada pelo uso de glicocorticoides, estreitamento das vias respiratórias por alterações na articulação temporomandibular (da abertura e fechamento da boca), reposicionamento do eixo cervical em casos de subluxação ou, até mesmo, pela diminuição do tônus muscular nas vias respiratórias. Outro aspecto é o Índice de Massa Corporal, IMC, dos pacientes: 60% dos participantes do estudo “Artrite reumatoide e qualidade do sono” apresentaram índice elevado de IMC.
Pesquisas indicam que os distúrbios do sono são um importante fator de risco para o surgimento e a recorrência de quadros depressivos, que podem contribuir para a má adesão ao tratamento e incapacidades. O alto nível de proteína c-reativa (indicador de doenças inflamatórias) está associado ao aumento do risco de transtornos psiquiátricos em pacientes com artrite reumatoide, incluindo a depressão, que pode decorrer dos sintomas, da atividade clínica da doença ou das consequências econômicas-sociais, como os impactos financeiros.
Inovação no tratamento
Atualmente, a estratégia mais inovadora no combate à artrite reumatoide tem sido identificar a molécula-chave atuante no desenvolvimento da doença e aplicar um anticorpo monoclonal que possa inibi-la. Administrado por via oral, o citrato de tofacitinibe apresenta um mecanismo que age dentro das células, inibindo a janus quinase (JAK), uma proteína importante nos processos inflamatórios característicos da enfermidade. Este é o primeiro tratamento oral, não biológico, do tipo MMCD (medicamento modicador do curso da doença reumática) desenvolvido para o tratamento da artrite reumatoide e apresenta o mesmo perfil de eficácia e segurança manejável em relação aos biológicos.
Armadilhas de prevenção
Na Universidade Federal do Cariri, UFCA, um projeto de extensão instalou 10 armadilhas para o Aedes Aegypti no campus de Juazeiro do Norte. As ovitrampas foram idealizadas pelo Grupo de Extensão de Educação Ambiental, do Instituto de Formação de Educadores. Os alunos Edcarlos Pereira e Gabriel Pereira integram o Comitê de Controle de Endemias da UFCA, criado para promover o combate ao mosquito, após determinação do Ministério do Planejamento para a realização de ações nos órgãos públicos federais do país.
A ovitrampa funciona como armadilha de oviposição que monitora a infestação de mosquitos. O mestrando em Desenvolvimento Regional Sustentável, Antônio Barros, também faz parte da equipe que é orientada pelos professores Willian Vilela e Laura Inocêncio, do curso de Licenciatura Interdisciplinar em Brejo Santo, Cariri Oriental. Entenda o funcionamento do equipamento no vídeo abaixo: