Mais de dois anos se passaram desde que encaramos uma nova, chocante e incômoda realidade pandêmica. Agora, com índices otimistas de vacinação no país, ficam algumas heranças da pandemia: a saúde mental de parcela da população piorou com o pico de estresse e de ansiedade que a nova doença trouxe. E o condicionamento físico também não está dos melhores depois de tantas restrições de mobilidade. Em um mix como esse, é comum a busca por saídas rápidas e, se possível, indolores. Esse é o caso do uso de um medicamento com o nome comercial de Ozempic, que só cresce no país.
Um novo rumo?
Basta pegar o smartphone e dar uma navegada pelas redes sociais para entender que as pessoas reclamam com maior frequência sobre o cansaço – físico e mental. E mesmo com uma onda forte e otimista de “body positivity”, que é o movimento em que a pessoa aceita o seu corpo sem a necessidade de enquadramento em padrões sociais vigentes, é notado um outro movimento, antagônico, se fazendo presente, mesmo que vela- do, na roda de amigos dos principais centro urbanos do país: a volta para o manequim de dois anos atrás com o uso de uma tal canetinha emagrecedora.
Injeção com tabus
Falar em desejar perder peso, atualmente, parece algo meio antiquado para muitas pessoas, já que a palavra de ordem é se amar como é. Mas o que na teoria funciona muito bem, na prática não é exatamente assim. São diversos os relatos informais de homens e mulheres que compram, como se fosse uma poção mágica, um medicamento com o nome comercial “Ozempic”. A ideia é conseguir com esse injetável, e em tempo recorde, alguns quilos de gordura a menos. Só que a conversa a respeito do tema é geralmente sigilosa, deixada nos bastidores, pois quem o toma para emagrecer não quer fazer alarde. “Eu uso faz tempo, assim como minha mãe e minhas amigas. Sinto menos fome e perdi um peso considerável, mas também fico muito enjoada, com dores de cabeça e constipação. Não falo por aí que uso. Apenas digo que estou malhando mais e vida que segue”, diz Cibele (nome fictício), de 26 anos e manequim 38, mas com o desejo de migrar para o 36.
A semaglutida, princípio ativo do Ozempic, é visto por muitos médicos como uma possível revolução para o tratamento da obesidade, já que os resultados são satisfatórios na diminuição e no controle da gordura corporal em conjunto com outras mudanças de hábitos. No entanto, isso só ocorre com segurança se a indicação correta for feita por um médico capacitado e o acompanhamento for constante. E é aí que mora a polêmica.
Desenvolvido originalmente para o tratamento do diabe- tes tipo 2, a faceta “emagrecedora” da semaglutida é indicada off-label (sem constar em bula) por endocrinologistas e para os pacientes que estão em quadros de obesidade e que não apresentam a resposta desejada de diminuição de massa gorda com reeducação alimentar e atividades físicas. Para indicá-lo são pedidos
inúmeros exames laboratoriais, para entender como está a saúde geral do paciente e se ele não tem alguma síndrome metabólica. Todavia, Cibele e seu grupo de amigas apenas se dirigiram até a farmácia, compraram o produto e começaram a aplicação, uma vez que não é necessária, atualmente, a apresentação de receita médica para a liberação. Então, é um remédio que passou a ser receitado por leigos para outros leigos. “A semaglutida faz com que a gente sinta mais saciedade ingerindo menos alimentos. É um medicamento injetado uma vez por semana e com uma variação de administração que vai de 0,25 mg até 1 mg. Ele é um remédio para diabéticos que virou moda como emagrecedor por não exigir receita. Isso, por si só, já é problemático, pois libera o seu acesso a quem tantas vezes não precisa usá-lo. Ele também é bom para uma parcela da população, mas não é algo interessante para todos os pacientes. Excesso de peso, diabetes tipo 2 ou pré-diabetes são casos em que ele pode ser um coadjuvante interessante. Só que hoje eu vejo meninas de 18 anos e com peso normal, portanto, sem indicação para o uso, que estão se aplicando. Posso até dizer que elas estão psicologicamente viciadas nele. E ele pode trazer complicações”, diz Fernanda Cortez, nutróloga. “Se a pessoa tem compulsão alimentar, desregulação hormonal ou ansiedade é necessário, para perder ou manter o peso, agir dentro dessas causas e não maquiar o emagrecimento apenas usando um fármaco que vai tirar a fome. Quando um erro assim ocorre, ao parar de tomar o Ozempic a pessoa pode dobrar o peso perdido”, completa Fernanda
Efeitos colaterais
O principal ponto de preocupação para quem usa a semaglutida é a possibilidade de desenvolver pancreatite. Mas os efeitos colaterais não param por aí. “Cerca de uma em cada dez pessoas precisam lidar com problemas como diarreia, vômitos e enjoos durante o tratamento, mas eles costumam ter uma duração bem curta”, diz Thais Mussi, endocrinologista e metabologista de São Paulo. “O medicamento não é indicado para pessoas com diabetes tipo 1 e com cetoacidose diabética – que é uma complicação aguda da diabetes mellitus tipo 1. Chamo atenção, também, para pacientes que apresentem histórico familiar de um tipo de câncer chamado carcinoma medular de tireoide (CMT) ou da síndrome de neoplasia endócrina múltipla tipo 2 (NEM2). Nesses casos, é importantíssimo entender com o médico se o Ozempic pode ser usado. Para finalizar, acho importante deixar bastante claro que a semaglutida não é insulina, então nunca deve ser usada como um substituto dessa substância”, finaliza Thais.
Na busca pelo bem-estar corporal e aceitação não existem atalhos. Isso é uma realidade anterior a popularização deste medicamento. Banalizar e glamourizar o uso de um remédio, ou até mesmo chás milagrosos, pode levar a uma frustração ainda maior, além de prejuízos para o corpo. Parece uma oração para poucos fiéis, mas buscar a reeducação alimentar, o equilíbrio da mente (diante das compulsões) e o acompanhamento sério de um médico capacitado ainda continua sendo a melhor saída.
Fonte: Assessoria de Imprensa