Se a dor de cabeça não passa, procure um analgésico. Se a garganta “começou a arranhar”, aquele anti-inflamatório de sempre vai resolver o problema. E se o nariz insiste em escorrer, tome um antigripal e continue com os compromissos do dia. Provavelmente, esses remédios estão na bolsa que você carrega até o trabalho ou em alguma gaveta da sua casa, mas caso não os encontre, será fácil comprá-los na farmácia mais próxima, e sem receita médica.
A automedicação é um hábito para 77% dos brasileiros, conforme revelou uma pesquisa do Conselho Federal de Farmácia (CFF) no ano de 2019. Entre os entrevistados, 47% disseram se automedicar pelo menos uma vez por mês, e 25% afirmaram que o fazem todo dia ou semanalmente.
Diante das “dores do dia a dia”, essa solução que se apresenta mais prática do que a ida ao médico é, na verdade, perigosa, haja vista que cerca de 30 mil casos de internação são registrados por ano no Brasil em decorrência de intoxicação pelo uso de medicamentos, segundo dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas, e aproximadamente 20 mil mortes são registradas por ano por causa da automedicação, conforme um levantamento da Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas.
No Brasil, por iniciativa do Conselho Federal de Farmácia, em 5 de maio é celebrado o Dia Nacional do Uso Racional de Medicamentos, a fim de alertar sobre os riscos à saúde causados pela automedicação.
Efeitos Nocivos
Reações alérgicas, insuficiência hepática e renal, sangramentos gastrointestinais, interações medicamentosas (quando um remédio interfere no efeito do outro), intoxicações, dependências, agravamento das doenças e até morte são algumas das consequências da automedicação, conforme alerta a médica Amelie Falconi, especialista em Tratamento da Dor pela Associação Médica Brasileira (AMB) e professora de Medicina da Dor no Singular Cursos e na Pós-graduação de Intervenção em Dor do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein de São Paulo.
Em entrevista ao O SÃO PAULO, Amelie avalia que algo que ajuda a explicar a grande quantidade de pessoas que se automedicam é o desconhecimento dos perigos de tal hábito. “O paracetamol, por exemplo, em altas doses, pode causar uma sobrecarga hepática; o omeprazol, que muitas vezes as pessoas tomam por conta própria para melhorar a dor no estômago, pode levar a prejuízos na absorção de vitaminas”, comenta.
“Existe também um tipo de dor de cabeça, que nós chamamos de cefaleia, por abuso de uso de analgésico, que ocorre quando as pessoas se automedicam. Aquela dor de cabeça inicial se transforma nesse quadro e se torna muito mais desafiadora de tratar”, alerta.
A especialista lembra, ainda, que todo medicamento possui um princípio ativo, e este pode interferir na ação de outros remédios que a pessoa use regularmente em razão de doenças como a diabetes e a hipertensão arterial, levando ao descontrole no tratamento dessas enfermidades.
O mesmo cuidado vale para o uso de fitoterápicos, que são os medicamentos feitos a partir de derivados vegetais e cujos efeitos terapêuticos são conhecidos. “Os fitoterápicos têm princípios ativos que vão desencadear alguma reação no organismo. É muito frequente, porém, que as pessoas pensem que, por ser um remédio natural, elas não precisam de orientação médica”, observa.
Investigar as Causas da Dor
Outro aspecto negativo da automedicação é que, como o medicamento irá sanar um sintoma permanente ou os incômodos pontuais, muitas pessoas deixam de procurar as razões de uma dor. “Esse sintoma, a dor, pode ser o sinal de alerta de alguma outra doença que poderia ter um tratamento muito mais efetivo do que o uso do medicamento”, ressalta a médica. “Se você tem sempre uma mesma dor que vai e volta, é preciso que seja investigada, pois é um sinal de alerta para que se busque o porquê de senti-la. Assim, é preciso que se avalie algo em relação a seu estilo de vida, à necessidade de algum fortalecimento específico ou um ajuste de sono”, destaca. “Tratamento de dor não é simplesmente tomar remédio: envolve o estilo de vida. Sedentarismo, por exemplo, é um fator de risco muito grande para dor crônica, além do estresse, e tudo isso precisa ser ajustado”, afirma.
Amelie Falconi lembra, ainda, que a automedicação frequente pode acabar escondendo condições clínicas severas, entre elas a dor crônica, que, sem a orientação médica e o tratamento adequado, tende a se agravar.
Sinal de Alerta
A médica comenta, também, sobre a realidade da hipocondria, transtorno mental que leva a pessoa a se automedicar por acreditar que está doente, mesmo sem apresentar sintomas ou sinais claros. Há especial risco quando o consumo da medicação ocorre em dosagem cada vez maior ou se faz uma associação de remédios sem saber precisamente quais substâncias existem em cada um deles.
“Se a pessoa está se medicando para o mesmo problema e não procura um médico, isso já é um sinal de alerta, pois quem está tomando remédio é porque sente alguma coisa, e isso precisa ser investigado. É muito frequente outras pessoas banalizarem a dor e os sintomas, ainda que leves, que parentes e colegas digam estar sentindo, mas o ideal é sempre orientá-los a procurar um médico”, explica.
Informação e Maior Controle na Venda
Diante da cultura da automedicação no Brasil, Amelie Falconi acredita que dar a devida informação sobre os medicamentos e controlar a maneira com que são comercializados é fundamental.
“Uma linda propaganda de um remédio não vai livrar alguém das dores, e somente no final aparece rapidamente o aviso ‘em caso de persistência dos sintomas, procure seu médico’. Essa mensagem precisaria ser feita de maneira muito mais enfática”, opina.
“Outra coisa necessária, principalmente diante do uso de anti-inflamatórios, é que a compra só ocorresse com receita controlada, como se faz com os antibióticos. Os anti-inflamatórios são os campeões de venda para automedicação e causam muitos efeitos colaterais, como problemas renais, exacerbação de doenças cardíacas e sangramento gastrointestinal”, conclui.
OS EFEITOS DANOSOS DA AUTOMEDICAÇÃO
– Atraso no diagnóstico correto de uma doença; |
Fonte: O São Paulo.